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Nº 1446 - Ano 30 - 8.7.2004

/ Ildeu de Castro Moreira


Divulgação científica é problema de toda a sociedade

Murilo Gontijo


 

físico Ildeu de Castro Moreira não poderia ocupar cargo mais apro- priado. Atual diretor do Departamento de Popularização e Difusão de Ciência e Tecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia, ele sempre foi um dos maiores defensores da popularização da ciência, tendo sido editor da Revista Ciência Hoje durante muitos anos.

No mês passado, Ildeu Moreira esteve em Belo Horizonte para participar de um evento organizado pela Fapemig. Na ocasião, concedeu entrevista ao BOLETIM, na qual defendeu a idéia de que divulgação científica "não é problema só do governo, mas de toda a sociedade".

O pensador português Boaventura de Souza Santos diz que a Ciência transformou-se num dogma na sociedade contemporânea, por estar fechada no núcleo universitário, distante do mundo e da vida. O senhor concorda?

Em parte, porque a designação geral de ciência é muito ampla. Dentro da ciência certamente há estruturas fechadas e dogmáticas. Por ser uma fonte de poder econômico, militar, existem nela interesses poderosos, fechamentos. Esta é uma reflexão muito importante, mas não se pode fazer uma crítica tão genérica. No mundo inteiro e, em particular no Brasil, existem pessoas e instituições que procuram partilhar a ciência.

Quais seriam as ações possíveis para quebrar este distanciamento?

Uma estratégia que nos últimos anos tem caminhado nesta direção, mas ainda com muitos percalços, é o desenvolvimento dos sistemas de Ciência e Tecnologia e de pós-graduação no país, que em poucas décadas realizaram um trabalho muito grande. Também é importante que a ciência esteja ligada às grandes questões nacionais, como o potencial da Amazônia ou as reservas de água. A Universidade tem um grande potencial de pesquisa, apesar das condições desfavoráveis de trabalho, e pode fazer muito mais nesta direção. Outro aspecto ao qual estou particularmente ligado é o esforço de se fazer difusão da ciência, no sentido de construir uma mentalidade mais favorável às inovações. Precisamos estimular a juventude para as atividades de ciência e mostrar que ela é uma conquista da humanidade. O cidadão brasileiro tem o direito de conhecer uma ciência de qualidade.

Como o senhor vê o conflito na relação de jornalistas e cientistas e como superá-lo, utilizando a mídia com eficácia para a divulgação científica?

Essa é uma tensão natural e esperada, em função das práticas diversas e, nesse sentido, frutífera, porque são maneiras diferentes de olhar. Nos lugares em que jornalistas e cientistas mantiveram essa tensão, no sentido construtivo, foi possível realizar trabalhos de divulgação muito bons. Por outro lado, quando essa tensão se torna corporativa, cria preconceitos e estereótipos. De fato, algumas vezes o cientista se fecha. Mas é preciso superar essas limitações. O cientista precisa entender a importância da comunicação pública do que ele produz, e o jornalista deve ampliar seus conhecimentos sobre ciência, para fazer matérias mais qualificadas. No Brasil, infelizmente, as instituições de pesquisa e universidades ainda não formam adequadamente pessoal de jornalismo científico _ os cursos que existem são muito incipientes.

Que orçamento seu departamento dispõe para fazer divulgação científica?

Temos um orçamento previsto, que inclui emendas parlamentares aprovadas pelo Congresso e que devem ser cumpridas. Nossos recursos são limitados, mas atuamos junto a parceiros para ampliá-los. Além disso, estamos fazendo um movimento dentro do governo para que os fundos setoriais, ou alguns deles, tenham certa porcentagem dedicada à popularização da Ciência.

Com o MEC, temos projetos para melhorar a qualidade da educação científica nas escolas e a produção de livros. Estamos abrindo um edital, junto com a Academia Brasileira de Ciências, para levar atividades de ciência ao interior do país e à periferia das grandes cidades, e um convênio com a Associação Brasileira dos Centros e Museus de Ciência, para organizar atividades itinerantes e exposições. Também estamos construindo um portal de popularização da Ciência, em colaboração com o Laboratório de Jornalismo Científico da Unicamp. Outra prioridade é atingir a mídia. Estamos auxiliando a Rede Globo a dar novo formato ao programa Globo Ciência e discutindo alguns programas de rádio com a Radiobrás.

Como o senhor analisa a situação da divulgação científica no Brasil? Quais as iniciativas mais relevantes?

Nos últimos 20 anos, a divulgação científica em todo o mundo experimentou um boom , particularmente em alguns segmentos, como os centros e museus de ciências. No Brasil, temos cerca de uma centena de centros e museus de ciências, mas em geral muito pequenos, todos com dificuldades de manutenção. E muitos desses centros e museus estão restritos às áreas de classes média e alta das grandes cidades. Precisamos fazer um esforço para atingir setores mais amplos da sociedade, apostando que esse trabalho pode ser complementar ao da escola e também ter uma repercussão econômica capaz de atrair turistas. Estive em Barcelona, onde milhões de dólares estão sendo investidos para construir uma área para abrigar um pedacinho da Floresta Amazônica. Os espanhóis vão receber milhares de turistas europeus, para ver um pedaço da Floresta Amazônica, mas nós temos a floresta inteira. Enfim, nosso potencial é muito grande.

Outra área que tem se desenvolvido no Brasil são as revistas de educação científica. Começou com a Revista Ciência Hoje, na década de 80. A Ciência Hoje das Crianças tem um papel muito importante que ainda pode ser ampliado. A revista da Fapesp leva divulgação científica para as bancas. A Fapemig tem uma revista que caminha nessa direção. Temos revistas comerciais que, a despeito de deficiências, cumprem um papel importante de divulgação científica.Também existem revistas científicas nas áreas de Ciências Sociais e Humanas, como a Nossa História, da Biblioteca Nacional, que vende 70 mil exemplares nas bancas.