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Nº 1465 - Ano 31 - 2.12.2004


Na "Era do nano"

Pesquisas com nanodispositivos aplicados na produção de medicamentos ganham impulso na UFM

Ana Maria Vieira


m vez de ingerir o remédio a cada oito horas, o paciente passa a fazê-lo uma vez por semana. O resultado? Ele deixa de se queixar dos efeitos colaterais e, devido ao conforto, adere ao tratamento. Não se trata de auto-medicação, mas de uma realidade que está se tornando cada vez mais freqüente no mercado farmacêutico graças à aplicação da nanobiotecnologia na produção de novos medicamentos e cosméticos.

Na UFMG, um grupo que reúne pesquisadores das áreas de ciências biológicas, química, odontologia, medicina e farmácia já desenvolve, há alguns anos, estudos sobre a nova tecnologia. "Os resultados de algumas linhas de pesquisa já estão prontos para serem transferidos para a indústria", afirma o professor Robson Augusto Souza dos Santos, do departamento de Fisiologia e Biofísica do ICB, e integrante do grupo que sempre se dedicou à pesquisa básica.

Recentemente, a equipe recebeu novo incentivo para avançar seus estudos, com a aprovação de um projeto pela Finep e dois pelo CNPq. O objetivo é pesquisar e desenvolver produtos e processos inovadores em nanobiotecnologia para tratamento de doenças cardiovasculares, através de parceria entre a Universidade e empresas. A pesquisa foi iniciada há dois anos e inclui estudos sobre a ação anti-hipertensiva de peptídeos (aminoácidos que podem exercer funções diversas, como as de hormônios). O grupo analisa, ainda, doses e condições ideais de uso dessas substâncias e por qual via _ oral, transdérmica ou outros meios _ devem ser administradas para obter melhor absorção.

"Estamos desenvolvendo uma plataforma tecnológica sobre a qual podem ser colocadas várias substâncias, aplicando nanotecnologia na área farmacêutica", explica Robson dos Santos, que trabalha com os professores Rubén Dario Sinisterra Millán, do departamento de Química do Icex, e Frédéric Jean Georges Frezard, do departamento de Fisiologia e Biofísica do ICB.

Os três integram o grupo de nanobiotecnologia da UFMG organizado em torno do Laboratório de Desenvolvimento Farmacêutico (LabFar) _ nome provisório _ que comporta uma unidade de formulação farmacêutica no departamento de Química e outra de ensaios pré-clínicos no ICB, além de contar com a colaboração das faculdades de Farmácia e de Odontologia. O objetivo é desenvolver medicamentos para disfunção erétil, anti-hipertensivos, anti-tumorais e doenças vasculares em geral.

Biodisponibilidade

Os pesquisadores avaliam que uma das vantagens da nova tecnologia para o organismo humano é o aumento da biodisponibilidade, com a conseqüente redução da toxicidade e de efeitos colaterais. Segundo Rubén Millán, o trabalho do grupo consiste em pesquisar e aperfeiçoar fármacos anti-hipertensivos, melhorando a formulação para ampliar a absorção orgânica com nanodispositivos _ que podem ser nanocápsulas de polímero biodegradável. Os polímeros são utilizados na produção de fios para suturas, cateteres, lentes de contato, próteses, implantes dentários, marcapassos e biomateriais.

Cabe à equipe de especialistas coordenada por Rubén Millán desenvolver os nanodispositivos. Eles preparam as formulações farmacêuticas utilizando a tecnologia da química de inclusão em cilodrextrinas e nos polímeros biodegradáveis. Através da química de inclusão, uma molécula hospeda outra dentro de sua cavidade. Esse procedimento é importante para o processo de absorção de medicamentos, pois permite construir dispositivos que encapsulem, transportem e liberem moléculas de drogas medicamentosas na intensidade adequada ao organismo.

O trabalho é desenvolvido em parceria com laboratórios farmacêuticos brasileiros. Ao todo, o projeto envolverá recursos de R$ 1,2 milhão, sendo R$ 800 mil liberados pelo CNPq e Finep e o restante como contrapartida oferecida pelas indústrias. Segundo Robson dos Santos, o custo é alto, pois embute pesquisa básica e aplicada. "Há investimento em formação de recursos humanos, além de aquisição de equipamentos e consumo de materiais", explica. Os estudos devem se encerrar em dois anos com a realização de ensaios em cobaias, a chamada fase pré-clínica, no ICB.

Para Rubén Millán, os projetos aprovados pelo CNPq e pela Finep, em parceria com empresas, podem ser um sinal de que a indústria farmacêutica nacional começa a se comprometer mais com o desenvolvimento científico e tecnológico do país. "O Brasil precisa dar continuidade aos investimentos em pesquisa básica. Só assim teremos a garantia de transferências tecnológicas no futuro", avalia, lembrando que "se isso ocorre hoje é porque houve, no passado, desenvolvimento da pesquisa aliada à formação de recursos humanos de alto nível".

Já o professor Robson dos Santos diz que a UFMG tem ilhas de competência na área e que a pesquisa em nanotecnologia no Brasil se encontra em estágio semelhante ao dos principais centros do mundo. "Nossas pesquisas em biomateriais estão bastante avançadas", exemplifica o professor.

*A nanobiotecnologia está associada ao desenvolvimento de dispositivos, cujas dimensões são iguais ou menores a dezenas de nanômetros. O termo nano, originário do grego, significa "anão", e corresponde a um bilionésimo de um metro. Para efeito de comparação, a escala atômica e molecular de uma estrutura química molecular varia de 0,1 a 1 nano. A nanotecnologia, que potencializou a capacidade de armazenamento e transporte de informações, proporcionou um salto tecnológico comparável à revolução provocada pela microeletrônica no século passado.