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Nº 1478 - Ano 31 - 7.4.2005


UFMG desenvolve inovações para melhorar qualidade da cachaça

Ana Maria Vieira


Foto: Foca Lisboa


té 1773, sua taxação ajudou a reconstruir Lisboa, vítima de violento terremoto. Três décadas antes, porém, a produção havia sido proibida pela Coroa, numa tentativa de refrear a concorrência com a bagaceira, a aguardente portuguesa obtida da uva. Não precisava ser profeta para prever que a interdição da cachaça no Brasil estava condenada ao fracasso. Bebida largamente consumida desde o período colonial, atravessou séculos e manteve-se como preferência nacional. Mas renegada pelas elites, ressente-se ainda hoje dos preconceitos que retardaram seu desenvolvimento e qualidade.

É sobre os consumidores da cachaça, alertam os especialistas, que recaem os maiores prejuízos decorrentes dessa mentalidade, pois são penalizados pelo pequeno número de pesquisas sobre o produto. "Estudar a bebida e propor melhorias na forma de produção para elevar sua qualidade não significa estimular vícios", esclarece a engenheira química Evelyn de Souza Oliveira, professora da Faculdade de Farmácia e coordenadora de pesquisa, aprovada no final de 2004 pela Fapemig. Ela deverá desenvolver e transferir ao mercado três importantes inovações na produção da cachaça.

Uma delas é a fabricação de filtro utilizando briófitas para extrair metais pesados que contaminam a bebida. Junto com os líquens, as briófitas são consideradas plantas adequadas para identificar poluição e usadas na Europa para análise de resíduos contaminantes do meio ambiente. Na UFMG, sua aplicação foi proposta pelo professor Ronaldo Lapesqueuer Faviano, do departamento de Química do ICEx, que participa do desenvolvimento do equipamento junto com o professor Helmuth Siebald, da mesma unidade.

Segundo Sielbald, a alternativa de filtro oferecida pelo mercado, a resina de troca iônica, tem custo proibitivo para produtores artesanais. O novo equipamento é composto por cilindro oco de policarbonato com entrada e saída ajustada por torneira para controle do fluxo e da velocidade do líquido. A análise dos resíduos tóxicos presentes nas briófitas será feita por espectômetro de absorção atômica. Para testar o filtro, os pesquisadores utilizarão cachaça artesanal produzida no Vale do Jequitinhonha e na região de Belo Horizonte.


Evelyn Oliveira: estudos para garantir padrão de qualidade à cachaça artesanal
Foto: Foca Lisboa

Contaminação

Estudo preliminar constatou presença significativa de metais pesados na aguardente produzida no Jequitinhonha. "Isso é conseqüência", explica Sielbald, "das precárias condições de higiene e da clandestinidade de muitos alambiques, além da contaminação do solo, da água e do ar decorrente da produção industrial e de atividades mineradoras".

O "sinal amarelo" foi identificado em dissertação de mestrado defendida, em julho do ano passado, junto ao departamento de Química, pelo aluno Marcos Henrique Canuto. De acordo com dados recolhidos na região do Alto Vale do Jequitinhonha, 23% da cachaça produzida na região continha chumbo, estanho e cobre em níveis superiores aos permitidos pela Organização Mundial de Saúde. O consumo inadequado desses metais provoca lesões nos rins e fígado e saturnismo, distúrbio mental causado por envenenamento Para Ronaldo Lapesqueuer, a eliminação dos metais pelo filtro de briófitas é uma forma de proteger a população e garantir a sobrevivência de um modo tradicional de produção da cachaça. Especialmente no Jequitinhonha, explica Siebald, a bebida desempenha importante papel socioeconômico. "Durante quatro meses ao ano, no período de entressafra, é a cachaça, ou `alambicagem', que propicia emprego à população local", revela o pesquisador.

A adoção do filtro, entretanto, poderá enfrentar resistência dos produtores artesanais. "A retirada do excesso de ácidos, aldeídos, cetonas e metais pesados, reduz a sensação de ardor e os efeitos da ressaca", explica Siebald. Ele observa que isso melhora a qualidade da bebida, mas, para a cultura local, o sabor final, mais suave, é identificado como "cachaça de moça".

O contraponto da resistência parece ser a expansão do consumo entre outros segmentos da população e o alto grau de exigência imposto pelos novos mercados importadores. Lapesqueuer acredita que a cultura industrial, cuja lógica gira em torno da concorrência e da oferta de produto de qualidade ao consumidor, ainda está ingressando nas comunidades mais isoladas isoladas do país.

Propagador

A busca de qualidade também motivou proposta de inovação no processo de propagação de leveduras, substâncias responsáveis pela fermentação do mosto _ caldo clarificado obtido pela moagem da cana-de-açúcar e que, destilado, produz a bebida. Atualmente, a propagação ocorre em um tipo de tanque, a dorna, uma vez a cada safra. O processo é lento e, se a dorna não estiver higienizada, pode ocorrer contaminação por bactérias.

Para evitar tais problemas, os pesquisadores desenvolvem um propagador de fermento em aço inox de baixo custo. Trata-se de tanque com injeção de ar e controle de PH, temperatura e nutrientes, responsáveis pelo crescimento da levedura. "O propagador reduzirá o tempo de multiplicação do fermento para menos de 24 horas e garantirá melhor qualidade ao processo", assegura Evelyn Oliveira. Através de seu uso, caso haja contaminação na dorna durante a fermentação do mosto, o produtor poderá, rapidamente, substituir o fermento.

O propagador também facilita o uso de linhagens selecionadas de leveduras, cujos estudos são feitos pelo ICB. "A iniciativa vai instaurar um padrão de qualidade à cachaça de alambique, hoje bastante variável, e favorecer sua inserção no mercado internacional", avalia.

Outra inovação proposta pelo grupo é a produção de cachaça aromatizada por ervas ou raspas de madeiras, substituindo a etapa final de envelhecimento em tonéis, que dura de seis meses a quatro anos. Dissertação de mestrado desenvolvida na Faculdade de Farmácia já testou procedimento inovador. De acordo com Evelyn Oliveira, raspas de sete tipos de madeira foram colocadas em pratos instalados na coluna do alambique, onde ocorre a condensação e a evaporação do líquido durante a destilação. "A aguardente ficou semelhante à envelhecida", atesta Evelyn Oliveira.