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Nº 1478 - Ano 31 - 7.4.2005

 

 

A superação das desigualdades raciais: um compromisso ético

Nilma Lino Gomes*

os últimos anos, algumas conquistas do Movimento Negro vêm se concretizando no Brasil. Há pelo menos 15 universidades públicas que implementaram ou estão implementando cotas para a população negra, juntamente com medidas de permanência. As secretarias de Ensino Superior (Sesu) e de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), ambas do Ministério da Educação, lançarão edital voltado para políticas de permanência, publicações, pesquisas e formação de professores na perspectiva das ações afirmativas que deverão ser realizadas pelos Núcleos de Estudos Afro-brasileiros (Neabs), que há anos existem no interior de várias universidades, muitos deles sem o devido reconhecimento da comunidade acadêmica.

Além disso, assistimos à inserção, no texto do anteprojeto da reforma universitária, de capítulo que trata exclusivamente das ações afirmativas para negro(as) e alunos(as) oriundos de escolas públicas como medidas de democratização do acesso, tarefa legítima e urgente da universidade pública. A partir de 2003, começou a vigorar a Lei 10.639, que torna obrigatório o ensino de história da África e da cultura afro-brasileira nos currículos das escolas da educação básica. Em 2004, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou as diretrizes curriculares que orientam as escolas na implementação desta lei.

No entanto, estas conquistas não ficam isentas de pesquisas de teor duvidoso, de deturpações e manipulações ideológicas da mídia e até mesmo de setores do poder público, que tentam retirar o mérito e a seriedade das políticas de ações afirmativas. Não é preciso dispor de grandes dados estatísticos para compreender (e ver!) que negros e brancos nunca estiveram em pé de igualdade nos diversos setores do Brasil: mercado de trabalho, atendimento à saúde, educação superior, cargos políticos, etc. Em todos os setores da sociedade em que se constata um quadro alarmante de desigualdade e miséria existe uma representação significativa da população negra.

Por outro lado, onde há mais riqueza, temos mais brancos. Isso confirma o que alguns estudiosos do tema já afirmaram: a pobreza e a riqueza no Brasil têm cor. Além de enraizada na lógica do capital, tal situação está alicerçada em um processo mais longínquo e profundo de dominação e racismo que precisa ser superado. Essa constatação por si só nos revela que precisamos tanto de comprovação estatística e análises sérias quanto de senso de justiça, ética e compromisso com a construção da igualdade racial e social.

Como a educação superior tem sido o principal foco das críticas e até mesmo de algumas pesquisas tendenciosas _ que caminham lado a lado com os trabalhos de qualidade já produzidos _ seria importante relembrarmos recentes informações oficiais. Dados sobre o percentual de estudantes da educação superior por raça/cor, levantados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apontam que a cor da população universitária é bastante diferente da cor da população brasileira. Uma análise da série histórica 2000-2003, utilizando informações do Questionário Socioeconômico do Exame Nacional de Cursos, e os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que, em 2003, os brancos representavam 52% dos brasileiros. Já a população branca na educação superior era de 72,9%, o que significa mais de 20% de brancos nas Instituições de Educação Superior (IES) do que na população em geral. A mesma pesquisa aponta que não há uma mudança radical do acesso, apesar do aumento paulatino da população negra (preta e parda) nos campi universitários. Quando os percentuais históricos de estudantes brancos, negros e pardos nas universidades são comparados aos índices da população do IBGE percebe-se que permanece grande a diferença entre ambos e que há um longo caminho a ser trilhado até alcançar a paridade destas representações. Os números mostram que mantidos os níveis anuais de crescimento da representação percentual das populações negras e pardas nos campi universitários _ 0,4%, quando se consideram negros e pardos, e 1,2%, no caso exclusivo de pardos _ a paridade universidade-sociedade só poderá ser atingida em 20 anos.

Diante disso, o que faremos? Continuaremos nos enganando e afirmando que existe um movimento "natural" de construção da igualdade racial e de superação do mito da democracia racial no Brasil e na educação superior? As políticas de ações afirmativas _ nas quais se insere o Programa Ações Afirmativas na UFMG, sediado na Faculdade de Educação _ exigem uma mudança de postura do Estado, da universidade e da sociedade em relação à histórica desigualdade vivida pela população negra brasileira. A concretização da igualdade racial e da justiça social precisa deixar de figurar apenas no discurso da universidade e da sociedade brasileiras e se tornar, de fato, iniciativa real, aqui e agora. Esse é o compromisso ético que deverá ser assumido por todos os cidadãos brasileiros.

* Professora da Faculdade de Educação e coordenadora do Programa Ações Afirmativas da UFMG

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