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Nº 1491 - Ano 31 - 07.07.2005

 

 

Reforma universitária, ciência e tecnologia*

Evaldo Ferreira Vilela**

inegável o empenho do ministro da Educação, Tarso Genro, na promoção da reforma do ensino superior, visando à consolidação do papel da universidade no desenvolvimento do país e na redução das desigualdades, ao ampliar significativamente o acesso à formação superior de milhares de jovens.

Sem dúvida, uma questão estratégica para o desenvolvimento nacional e, acima de tudo, de justiça social. Mas é imprescindível que a anunciada reforma também crie condições mais adequadas para o desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica, que, no Brasil, está majoritariamente concentrada nas instituições públicas de ensino superior.

Na última década, cresceu significativamente o envolvimento das universidades na produção de novos conhecimentos, tecnologias e inovações, graças, sobretudo, a uma política consistente de formação de doutores, inclusive no exterior. Deixamos de ser apenas traços nos indicadores internacionais de Ciência e Tecnologia, superando, e muito, o insignificante índice de 0,4% da produção do conhecimento científico mundial que ostentávamos. Isso se deve, sobretudo, à competência e ao esforço, quase milagroso, da comunidade científica, uma vez que, além de insuficiente, a destinação de recursos pelas fontes de fomento não raras vezes ocorre de forma descontinuada e sem estimular convenientemente a consolidação de grupos de pesquisa emergentes.

Tem sido também muito difícil fazer pesquisa de ponta, com as adversidades impostas por certas leis, como a de licitações, e a escassez dos recursos orçamentários para manutenção e atualização dos parques laboratoriais. Portanto, em vez de cercear possibilidades de financiamento da pesquisa, seriam interessantes reformas que viessem propiciar a diversificação dos mecanismos de obtenção de recursos, incluindo maior participação de outros ministérios, como os da Agricultura, Saúde e, em particular, o da Ciência e Tecnologia e suas agências de fomento, o CNPq e a Finep, parceiros incontestes dos pesquisadores na luta contra o cipoal de leis e normas que rege a utilização dos recursos financeiros destinados pela União.

Precisamos de reformas que nos livrem da brutal ingerência extrínseca de leis, decretos e medidas provisórias, justificáveis talvez no caso dos órgãos governamentais, mas incompatíveis com o modo operante das Universidades. E a nova versão do anteprojeto da reforma do ensino superior, lançada no dia 30 de maio, nada acrescentou na direção de aliviar a burocracia estatal sobre o trabalho dos nossos professores pesquisadores.

Se aprovada como está, continuarão obrigados a improvisar constantemente, na tentativa de vencer os obstáculos para manter a qualidade da pesquisa científica, a geração de tecnologias e a inovação, que tanto têm contribuído para o país, como nos casos do agronegócio e da exploração de petróleo, só para citar dois exemplos. Para ganhar competitividade no cenário globalizado precisamos não apenas de mais investimentos, mas também de legislação própria e adequada para a condução das pesquisas nas universidades e nos institutos de pesquisa, como tem alertado recorrentemente a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). A reforma pode, assim, ser a oportunidade de dar às Ifes mecanismos efetivos de gestão dos recursos destinados às pesquisas, reconhecendo seu caráter estratégico como órgão do Estado e sua singularidade em relação às demais instituições do serviço público, em consonância com a recém-aprovada Lei da Inovação, que visa a flexibilizar e modernizar a relação universidade-empresa.

A consecução desses objetivos passa inexoravelmente pela esperada autonomia de gestão das Ifes. A retirada do artigo 44 da proposta anterior, que descredenciava as fundações de apoio das universidades foi, sem dúvida, um gesto positivo, mas insuficiente, porque nenhum mecanismo foi acrescido para conciliar a autonomia universitária com instrumentos adequados de financiamento público, condição sine qua non para a consolidação da universidade como lócus do livre pensar; da produção de alta ciência; da renovação da cultura e da formação intelectual independente, sem os quais é difícil acreditar que possamos construir um país melhor.

* Artigo publicado no ‘JC e-mail’, de 21 de junho de 2005
** Professor e ex-reitor da Universidade Federal de Viçosa (2000-2004)

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