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Nš 1497 - Ano 31
25.08.2005




Por uma ciência global

Ludmila Rodrigues

uando iniciou seus estudos em química na década de 60, o cientista norte- americano Joseph William Stucki, da Universidade de Illinois, não imaginou que sua área de atuação pudesse abranger tantas outras. Microbiologia, bioquímica, geociências e meio ambiente passaram a fazer parte de seu universo de estudos. Uma de suas principais pesquisas versa sobresistemas de oxi-redução em estruturas de argilo-minerais, como a bauxita e a caulimita, visando à limpeza ambiental.

Foca Lisboa
Stucki: progresso e meio ambiente

Convidado a ocupar a cátedra da área de Ciências da Natureza, do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (Ieat), o professor Stucki esteve recentemente na UFMG, onde ministrou a conferência Evolução educacional de um cientista transdisciplinar: uma perspectiva de Illinois. Em entrevista ao BOLETIM, o pesquisador discutiu a presença da transdisciplinaridade nas pesquisas e o papel do cientista na preservação do meio ambiente.

O senhor foi convidado a ocupar a cátedra da ciência da natureza. Como a questão da transdisciplinaridade está presente em sua pesquisa?

Acredito que a natureza do meu campo de trabalho o torna interdisciplinar. O estudo das ciências do solo, mineralogia e ciências do meio ambiente requer muitas disciplinas diferentes. Descobri bem cedo na minha carreira que havia muitas coisas que eu não sabia sobre a área que eu estudaria, porque era muito vasta. E o meu treinamento era muito limitado – química e um pouco de mineralogia. Concluí que precisava de ajuda e foi aí que me interessei pela interdisciplinaridade. Transdiciplinaridade não é uma palavra que usamos no inglês, usamos mais interdisciplinaridade. Mas cheguei à conclusão que transdisciplinaridade é a palavra mais adequada. Interdisciplinaridade implica somente “relacionamento” dentro da academia e sinto que realmente precisamos ir além disso, cruzar fronteiras. Não só entre instituições acadêmicas, mas entre sociedades, no meio ambiente, no mundo. Devemos pensar em uma ciência global.

O que é preciso para promover a transdisciplinaridade?

Eu acho que tudo começa com o interesse do pesquisador. Eu, por exemplo, senti uma necessidade que me motivou a procurar outras disciplinas. Mas as instituições também podem encorajar esse processo, quebrando barreiras entre disciplinas e oferecendo recursos.

O senhor realiza um trabalho integrado com as comunidades. Poderia descrevê-lo?

Parto do princípio de que as pessoas devem trabalhar para melhorar a vida de sua comunidade. E no meu caso a motivação foram os meus seis filhos. Quando eles alcançaram a idade escolar, me candidatei para ajudar a gerenciar as escolas por eles freqüentadas. Fazia parte de um grupo de sete pessoas, reunidas em uma espécie de conselho que governa as escolas locais. Por 14 anos, atuei voluntariamente neste conselho. Além disso, o laboratório em que trabalho recebe recursos para financiar estágios para alunos de 2º grau durante as férias. Isso começou no verão de 1979 e, desde então, recebo três estudantes em meu laboratório por ano. Lá, eles travam contato com a variedade de métodos científicos e aprendem a definir um objeto de pesquisa e a formular hipóteses e objetivos de trabalho.

A pesquisa do senhor tem implicações com o meio ambiente. Como a ciência aplicada se relaciona com as questões ambientais?

No começo, acreditava que estava numa área onde não havia um propósito prático. Mas percebia que coisas interessantes aconteciam na Química. Levou um tempo até começar a entender as ligações interdisciplinares. Foi então que me dei conta do contexto em que o meu trabalho se inseria e pude perceber algumas aplicações dele na fertilidade do solo, no controle da destinação de poluentes orgânicos – os pesticidas – e as propriedades físicas do solo (de inchaço e absorção) que afetam as construções ou a integridade de qualquer estrutura que precisa de uma barreira aquática. Na metade dos anos 80, descobri uma bactéria no solo que pode causar transformações importantes na química dos minerais estudados. Hoje, usamos a bactéria para estimular certas substâncias do solo a mudar suas propriedades, o que pode amenizar o efeito de poluentes.

No passado, havia uma crença, segundo a qual em nome do progresso, podia-se “destruir” o meio ambiente? Essa mentalidade mudou?

Acredito que a Terra existe para beneficiar a humanidade, mas o homem tem a responsabilidade de protegê-la. Devemos usar toda a tecnologia que for necessária para tornar nossa vida melhor. Tenho até uma experiência que ilustra isso. Certa vez, fomos acampar e, para preparar a comida, tivemos que encontrar madeira para acender o fogo. Foi algo muito primitivo, mas aprendi rapidamente a existência de tantas razões para termos casas, água encanada, geladeiras... Não é somente pelo conforto, mas pelas oportunidades para fazer mais coisas em vez de perder muito tempo procurando madeira, cortando, cozinhando... É preciso desenvolver a tecnologia, mas desconsiderar o prejuízo que possa trazer ao meio ambiente é um erro. Também devemos usar nossa tecnologia para salvar. Estava na faculdade durante o auge do movimento ambientalista nos Estados Unidos. Minha primeira bolsa de estudos foi oferecida por um órgão federal de controle da qualidade da água. Sempre tive, desde o início de minha formação como cientista, plena consciência da necessidade de aliar progresso e meio ambiente.

Qual o papel da ciência na recuperação do meio ambiente?

Acredito que a ciência tem a obrigação de tratar dos problemas ambientais. O que é emocionante, pois as questões ambientais são desafiadoaras, talvez os maiores desafios que temos pela frente. E há muitos cientistas interessados nessa problemática. É o que observo no meio em que atuo.