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Nš 1499 - Ano 31
08.09.2005



ICB desenvolve tratamento complementar contra a leishmaniose

Terapia utiliza substâncias que modulam sistema imunológico dos doentes

Ana Paula Ferreira

m grupo de cientistas do de partamento de Bioquímica e Imunologia do ICB vem desenvolvendo tratamento complementar contra a versão tegumentar da leishmaniose*. A nova terapia, parte de estudo mais amplo sobre o comportamento da doença no organismo humano, é capaz de contornar as complicações imunológicas que levam determinados pacientes a não responderem satisfatoriamente ao tratamento convencional.


Testado experimentalmente em pacientes da Bahia, o tratamento alternativo baseia-se na aplicação de três substâncias – pentoxifilina, GM-CSF e N-acetil-cisteína – usadas, respectivamente, no controle, seleção e ativação das células de defesa do organismo. “Essas drogas modulam a resposta do sistema imune para auxiliar na cura do doente”, afirma o professor Kenneth John Gollob, coordenador dos estudos. O grupo de pesquisas foi o primeiro a propor a utilização da N-acetil-cisteína no tratamento da doença. Essa substância estimula a ativação de leucócitos que combatem a leishmaniose com maior eficiência.

Combate

Apesar da comprovada eficácia dos antimoniais, usados no tratamento da doença, casos de insucesso são freqüentemente registrados. Segundo o professor Kenneth, muitas pessoas que manifestam a leishmaniose tegumentar cutânea – forma branda da doença – recebem o tratamento com Glucantime e, apesar disso, evoluem para um estágio mais grave, caracterizado por ulcerações nas mucosas. Esse fato intrigava os pesquisadores, já que as duas formas da doença (branda e grave) são causadas pelo mesmo agente etiológico.

A explicação surgiu quando foram realizadas análises em amostras de sangue e de lesões de pessoas contaminadas. Constatou-se que o tratamento não apresentava resultados satisfatórios nos casos em que ocorriam desvios no processo de imunorregulação do indivíduo. Quando um agente agressor é detectado no organismo, no caso a Leishmania, o mecanismo de defesa desencadeia um processo inflamatório para eliminar o parasita. Para que a eliminação seja bem-sucedida, o sistema imunológico deve estar apto a escolher a célula de defesa mais adequada para combater o invasor e a produzir a quantidade necessária para tal ação.

Kenneth relata que, em algumas análises, foi registrada hiperatividade do sistema imune. “Os leucócitos produzem substâncias inflamatórias em excesso e, posteriormente, o organismo não consegue controlar a inflamação”, esclarece o pesquisador. Essa “ansiedade” acaba provocando lesões mais graves. “Ocorre uma destruição tecidual desnecessária”, completa.

Já em outros casos, apesar de realizado o tratamento convencional, a produção de células de defesa é insuficiente para curar a enfermidade totalmente. “Nesse caso, a lesão permanece porque o organismo não consegue combatê-la”, diz Gollob. Numa terceira possibilidade, a doença não é combatida porque as células de defesa produzidas não são as ideais para eliminar a Leishmania.

Causas

Segundo o professor, essas falhas podem ser explicadas por razões genéticas associadas ao doente e ao parasita. São os genes de cada indivíduo que indicam, de forma particular, como ele reage contra agressores. Além disso, dentro de uma população contaminada pela Leishmania, é provável a ocorrência de diferenciações na estrutura genética do parasita, impossíveis de serem previstas. Outro fator seria a história imunológica de cada pessoa. Infecções anteriores podem alterar a reação dos mecanismos de defesa.



Imagens feitas a partir
de microscópio a laser fluorescente. Elas mostram células da mucosa nasal lesionadas pela ação da
L.braziliensis

(Créditos: Daniela Faria
e Walderez Dutra)



O professor Kenneth acredita que os estudos realizados podem auxiliar no desenvolvimento de vacinas. “Para produzir uma vacina eficaz, é necessário saber qual a resposta do organismo para um patógeno natural”, argumenta o pesquisador.

Outro objetivo do grupo é desenvolver métodos de exame capazes de antecipar qual resposta o organismo de cada pessoa dará à agressão da Leishmania. “Um marcador imunológico possibilitaria descrever o perfil do sistema de defesa da pessoa contaminada e, conseqüentemente, prever a evolução da doença e prescrever o tratamento mais adequado”, conclui Kenneth.


Projeto: Mecanismos de resistência
e da imunopatologia da leishmaniose americana.

Financiamento: Pronex, Organização Mundial da Saúde, CNPq, Centro de Pesquisas em Medicina Tropical – Instituto Nacional de Saúde (Estados Unidos)

Equipe:
professores Kenneth John Gollob (coordenador), Leda Quércia Vieira e Maria de Fátima Martins Horta (departamento de Bioquímica e Imunologia), Walderez Ornelas Dutra (departamento de Morfologia), Luís Carlos Crocco (Universidade Federal de Ouro Preto) e Edgar Carvalho (Universidade Federal da Bahia)

 

*Causada por protozoários do gênero Leishmania, sendo mais freqüente a L. braziliensis e a L. amazonensis, a leshmaniose pode se manifestar nas formas tegumentar (caracterizada por lesões na pele e mucosas) e visceral (quando atinge os órgãos internos). Nos dois casos, o tratamento é feito com antimônio, substância comercializada no Brasil com o nome Glucantime.