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Nº 1511 - Ano 32
1.12.2005

Entrevista / Ronaldo Pena e Heloísa Starling

“É preciso buscar a excelência sem esquecer a relevância”

Maurício Guilherme Silva Jr.

professor Ronaldo Pena encabeça a lista tríplice elaborada, no último dia 24, pelo Colégio Eleitoral, a ser encaminhada ao Ministério da Educação para a escolha do novo reitor da UFMG. Ele e a professora Heloísa Starling, com quem formou a chapa que alcançou mais de 52% dos votos válidos ponderados na consulta à comunidade universitária, receberam a reportagem do BOLETIM para esta entrevista na qual detalharam como pretendem conduzir a principal universidade de Minas Gerais.

Ronaldo Pena discorreu sobre a necessidade da UFMG se articular nacionalmente para construir um cenário de autonomia mais favorável e sobre a continuidade e ampliação de programas bem-sucedidos desenvolvidos na atual e em gestões passadas. “Não vou inventar a roda”, garante ele, que também falou sobre novos projetos, incluindo a criação de uma editora virtual de livre acesso que, desde já, promete ser uma “menina dos olhos” de sua gestão. Como vice-reitora, Heloísa Starling, mantendo uma tradição da UFMG, deverá cuidar de projetos nas áreas cultural e social, sendo que esta última terá como ponta-de-lança o Hospital das Clínicas. “É a jóia da nossa coroa. O HC receberá desta Reitoria tudo o que for possível”, garante Heloísa.

Como os senhores estão montando a agenda de transição? Há alguma prioridade para os primeiros meses de mandato?

Ronaldo – Nos últimos cinco meses, trabalhamos com um grupo bastante representativo da Universidade, que reúne todas as condições e características para nos ajudar, inclusive, na montagem de uma equipe de gestão e no processo de detalhamento dos novos planos que queremos implementar. A Universidade tem seus projetos históricos, como o aprimoramento da infra-estrutura do campus Pampulha, de melhorias do campus Saúde e o Parque Tecnológico. Há também a questão dos cursos noturnos, que precisam de condições adequadas de funcionamento, e dos acervos das bibliotecas, que estão deficientes.

Que projetos novos o senhor pretende implementar?

Ronaldo – Há, por exemplo, o projeto do conhecimento livre, baseado na idéia de criação de uma editora virtual, voltada prioritariamente para o ensino médio. A intenção é produzir livros didáticos que, aprovados por um conselho editorial, iriam para o portal da UFMG, onde poderiam ser acessados e copiados livremente. Alguém pode perguntar: mas o autor não ganha nada? De fato, o autor de livro didático nunca ganha nada, a não ser que se trate de um best seller. O que vale para a pessoa é ter escrito o livro e vê-lo publicado num portal da UFMG que, espero, tenha uma relevância técnico-científica.

Foca Lisboa

"A excelência, normalmente, está nos trabalhos com o Canadá, França, Estados Unidos. Por que não incluir a África Portuguesa, o Paraguai ou a Bolívia nessa geografia?"

Heloísa – Em alguns casos, poderíamos adquirir o direito autoral, seguindo procedimento já adotado pela Editora UFMG. Compraríamos a edição por um valor equivalente ao pagamento de uma bolsa.

Ronaldo – Na área de ensino a distância, precisamos transformar a UFMG numa referência. O Brasil tem uma demanda por 250 mil professores, e não é possível formar, no ritmo atual, essa quantidade de profissionais. Por isso, temos que realizar um grande projeto, que não terá fim na próxima gestão. Por outro lado, já existem trabalhos nessa área. Não vou inventar a roda. O que está sendo feito terá continuidade. Não faz sentido impor à Universidade um processo de ziguezague e de descontinuidade. A própria consulta e a votação que recebemos são prova disso.

Heloísa – Antes, enxergava a Universidade a partir da Fafich. Hoje, a enxergo de outro lugar. Descobri uma Universidade cheia de problemas e dificuldades. Mas também uma instituição com muita força, garra e potencial de crescimento. Há alguns projetos, como o Nupad, na Faculdade de Medicina, e o Pólos de Cidadania, da Faculdade de Direito, que podem fazer parte do que chamamos de universidade expandida. Queremos transferir o conhecimento e a tecnologia que produzimos para os países da América Latina e de língua portuguesa.

Ronaldo – É preciso buscar a excelência e, ao mesmo tempo, trabalhar a relevância. Tome como exemplo a cooperação internacional. Nessa área, a excelência, normalmente, está nos trabalhos com o Canadá, França, Estados Unidos. Mas por que não incluir a África portuguesa, o Paraguai ou a Bolívia nessa geografia? E isso já está sendo trabalhado. Repito: não estamos inventando nada, nem nos contrapondo. Queremos uma universidade que pensa o futuro sem esquecer o passado.

O conceito de relevância certamente está associado à idéia de inclusão. O que a sua gestão pretende implementar nessa área?

Ronaldo - Queremos, por exemplo, trabalhar com as comunidades indígenas. Um dos grandes problemas é fixar médicos, dentistas ou engenheiros nessas comunidades, mas se o profissional tiver raízes nelas, isso se torna mais viável. Uma de nossas idéias – isso, claro, depois de amplamente discutida pelos conselhos superiores da Universidade – é reservar uma vaga em cada curso, fora do vestibular, para representantes de comunidades indígenas. Vamos via­bilizar a formação de professores, dentistas e engenheiros indígenas. É difícil, mas a UFMG tem condições de oferecer essa formação. Outra possibilidade é ampliar, com a devida disponibilidade orçamentária, a oferta de vagas para os melhores alunos da escola pública que ficarem de fora da seleção feita pelo vestibular.

Foca Lisboa

"Antes, enxergava a Universidade a partir da Fafich. Hoje, a enxergo de outro lugar. Descobri uma Universidade cheia de problemas e dificuldades. Mas também uma instituição com muita força, garra e potencial de crescimento."

Tradicionalmente, a gestão de programas da área social e de cultura tem sido, na UFMG, atribuição do vice-reitor. O que a comunidade universitária pode esperar dessa administração nesses campos?

Heloísa - A idéia de fazer da cultura um irrigador de outras áreas é ousada e de certa forma já está sendo imple­men­tada. Acho, no entanto, que está na hora de dar um salto para ampliar essa dimensão. Mas, primeiro, devemos pensar nos mecanismos externos que a Universidade precisa construir para captar recursos para a área cultural. Não faz sentido um professor nosso elaborar o projeto e ter que sair atrás de recursos. Precisamos criar condições para estimular internamente a experimentação, mesmo porque há projetos culturais que não conseguirão recursos no mercado. A Universidade também precisa fazer um levantamento exato de sua produção cultural, que é intensa, mas muito fragmentada, e pensar formas de reunir seus acervos, talvez num centro de memória.

E a área social?

Heloísa - Nessa área, a jóia da coroa da UFMG talvez seja o Hospital das Clínicas, que vai receber desta Reitoria tudo o que for possível.

O conhecimento que o senhor tem da máquina administrativa pode facilitar a transição?

Ronaldo - Do ponto de vista operacional, é evidente que facilita. Conheço a equipe que trabalha aqui e a grande maioria dos projetos em andamento. Tenho pelo menos alguma noção de quase todos e muitos eu conheço bem.

Como a sua gestão pretende enfrentar a incerteza orçamentária para os próximos anos, diante da indefinição sobre a Reforma Universitária e de sua proposta de autonomia?

Ronaldo - Uma universidade com a história da UFMG exerce influência muito grande sobre as decisões que acabam sendo tomadas. Temos, portanto, que entrar com a nossa capacidade política de argumentação em fóruns nacionais, expressando, por meio deles, a visão da Universidade. Nesse sentido, precisamos consolidar a idéia de uma autonomia precedida de acertos e correção de déficits. Temos problemas em áreas como as de pessoal, bibliotecas e infra-estrutura. Somente depois desses acertos é que poderemos pensar a autonomia num cenário mais tranqüilo.

Como o senhor avalia a necessidade de articulação interinstitucional das Ifes? A Andifes continua sendo o espaço privilegiado para essa articulação?

Ronaldo - Minha relação com a Andifes é pequena, limitada até agora às situações em que represento a reitora Ana Lúcia Gazzola. A Andifes praticamente nasceu na UFMG, tanto que a reitora Vanessa (Guimarães Pinto) foi sua primeira presidente. A Andifes tem desenvolvido um trabalho muito positivo e a UFMG sempre ocupou posição de destaque nesse contexto, emprestando o seu prestígio a esse fórum de universidades.

Que papel as Ifes em geral, e a UFMG em particular, poderão desempenhar como protagonistas de um projeto nacional de desenvolvimento socieconômico?

Ronaldo - O Brasil vem se desenvolvendo, mas num ritmo muito lento para as nossas necessidades. Não se constrói um país só com as universidades, mas com boas políticas e bons atores sociais, a partir de associações com governo, instituições públicas e ONGs. Precisamos de projetos que nos levem a um país mais justo e para isso não podemos prescindir da alta tecnologia. Só assim teremos uma inserção internacional adequada e capacidade de negociar em condições favoráveis. Não teríamos derrubado sanções dos Estados Unidos e de países da Europa na OMC se não fôssemos competentes na produção de alimentos e de derivados de carnes.