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Nº 1524 - Ano 32
30.03.2006

Revelações de um camundongo

José Geraldo da Silva*

Olá! Você conhece o significado da palavra biotério? Eu sempre ouvia este nome e ficava curioso, até que um amigo me avisou que era um local destinado à criação de ratos e escorpiões. E disse ainda que neste setor havia umas ratinhas de dar água na boca, e isso mexeu com a minha cabeça.

Preciso conhecê-las. Pensei. Mas como entrar lá? Todos os dias arquitetava meus planos, e não conseguia concretizá-los. Eu olhava de longe, as portas tão bem fechadas, mas não desanimei. Até que nesta noite observei bem de pertinho e vi que daria para entrar, pois estas portas não têm borrachas embaixo, e se encolhesse um pouco a minha barriguinha, eu conseguiria passar.

E não pensei duas vezes, meu coração batia forte, e já me via namorando aquelas ratinhas branquinhas e macias. E apesar de ser considerado rato de esgoto, não sou de se jogar fora. Tenho cor morena, e sempre ouvi dizer que mulheres loiras e brancas preferem homens morenos, e sendo elas branquinhas, pensei que fossem iguais às mulheres, e certamente dariam preferência a este morenão.

E estes eróticos pensamentos me deram ânimo e forças e arrisquei entrar. Cheguei, olhei embaixo da porta.... encolhi a barriga e entrei! A beleza aqui dentro é indescritível! Tudo limpinho, tanta comida...mas cadê as ratinhas? Por alguns instantes olhei ao redor e nada! Mas de repente ouvi uns gritinhos. E admirem vocês, as ratinhas que imaginei, eram gigantescas, e não pensem que estou exagerando, mas elas me pareciam filhotes de gatos... (odeio este bicho!).

Pensei em correr, mas as pernas amoleceram. Meu Deus! Jamais conseguiria abraçá-las, salvo se subisse num tijolinho. São cheirosas e limpinhas, devido aos cuidados que recebem do responsável pelo setor. E como são vaidosas! Me olhavam com ares de puro desprezo, não pela minha cor, pois sou um ótimo partido, e sim porque me encontro sujo e sem banho, pois não tenho quem cuide de mim tão bem quanto elas. Mas prefiro assim, pois já me contaram que o fim de alguns deles é tão amargo!...

Bem, não vou fugir do assunto! Além de muito limpo, aqui é aprazível e convidativo para se viver, comida à vontade, chamada por eles de ração. E eu, acostumado só com as sobras dos lixos, caí de queixo naquela iguaria, e comi enquanto pude, enquanto ouvia os moradores daqui dizerem uns para os outros: – Vejam só! Ele vai poluir a nossa alimentação. Que intrometido, se pudéssemos sair destas gaiolas e pegá-lo...

Ainda bem que não podem, pois me parecem professores de musculação, cada braço tão forte, acho que são instrutores de academias, e passar correndo pela fresta que entrei, não seria fácil. Mas, sentindo-me seguro, fiquei à vontade, passeando aqui dentro, e prestando atenção a cada detalhe. Juro que pensava em um meio de namorar essas ratinhas, elas são grandinhas, mas se os homens baixinhos se relacionam com mulheres altas, eu faria o mesmo, e garanto-lhe que não deixaria nada a desejar.

E dando asas à minha imaginação, quase não vi a porta se abrir. Meu corpo se arrepiou, o sangue gelou e me escondi, imediatamente, entre os sacos de ração, enquanto os moradores aqui do biotério gritavam em coro. Não sei se davam boas-vindas ao zelador, ou lhe avisavam que tinha um intruso aqui. Ele olhou o local, fez o nome do Pai, sorriu, e até cantarolava de tanta alegria. Ele é gente boa, pensei, aqui estou seguro. E sentido-me em paz, fiquei à vontade, pois ele tratava tão bem os ratinhos daqui, que, ingenuamente, pensei que receberia de sua parte os mesmos cuidados. E passei perto dele, olhei-o com muito amor, esperando receber o seu carinho.

Mas assim que me viu... nem queiram saber. Parou tudo que estava fazendo, resmungou algumas palavras que não entendi, deve ter xingado a minha mãe, e olhem que ele tinha feito o nome do Pai há pouco tempo, e agora xingava a minha mãe? E aí começou o meu sufoco! Entro aqui, saio ali, e ele atrás esbravejando: Eu mato esse danado! Vai poluir as minhas rações! Que bicho excomungado! (Me xingou até de bicho!) Meus ratos não podem ter contato com ele!

Contato? Que contato? Nem tive tempo de namorar ninguém aqui! E corri pra valer, até que ele se cansou. Escondido e trêmulo, eu ouvia seus desabafos, falando consigo mesmo, enquanto os colegas branquinhos emitiam sonoras gargalhadas e aplaudiam de pé os meus apuros. E, frustrado por não conseguir me pegar, disse a si mesmo que iria usar as ratoeiras. Mas com minha vasta experiência, já as conheço e muito bem, pois perdi inúmeros amigos e alguns parentes que se iludiram com suas iscas. O amigo pode armar quantas quiser, que o papai aqui não cairá em nenhuma!

E, batendo furiosamente a porta, saiu certamente para buscá-las, e nesse intervalo aproveito para escrever minha história tão emocionante. Sei que ao lerem, poderão até começar a sorrir, e entendo que não é um sorriso malicioso, pois só quem está vivendo este momento é que sabe a seriedade do assunto. E ficaria até feliz se pudesse fazer alguém sorrir, pois as pessoas vivem tão preocupadas...

Nossa, estou falando demais! Ele pode chegar a qualquer momento e me fazer correr novamente, e se encontrar esta carta será pior para mim. Mas enquanto isto não acontece, vou ficar bem juntinho à porta, e quando ele abri-la, saio correndo, e aqui não voltarei nunca mais. Foi marcante a experiência que aqui vivi, e, se conseguir sair ileso, avisarei a todos os meus amigos que o tal de biotério é maravilhoso e ótimo para se viver; tudo de primeira, falarei do conforto de que nossos amiguinhos desfrutam, elogiarei o responsável pelo setor por defender com unhas e dentes e até ratoeiras o seu querido BIOTÉRIO ... enfim, este privilégio é só para alguns... Nós não fazemos parte deste grupo, este terreno é muito perigoso para estranhos, e não podemos arriscar a nossa vida que é tão preciosa, concorda comigo?

Muito obrigado!

Ass: Camundongo Aflito.

*Funcionário da Conservadora Arizona, que presta serviços para a Faculdade de Farmácia da UFMG. Aluno da 6ª série do Proef2

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