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Nº 1526 - Ano 32
13.04.2006

Ricos fogem da metrópole

ma expansão periférica de natureza diferente está em curso no entorno da Serra do Curral, uma das áreas mais valorizadas de Belo Horizonte. Ela vem sendo empreendida por uma população de alta renda em busca da segurança e do convívio com a natureza que a metrópole já não mais proporciona.

Esse movimento é analisado no livro Novas periferias metropolitanas – a expansão metropolitana em Belo Horizonte: dinâmica e especificidades no Eixo Sul, escrito por professores da UFMG e publicado pela Editora C/Arte. Em entrevista ao BOLETIM, a organizadora do livro, professora Heloísa Soares de Moura Costa, diz que essa fuga patrocinada pelas elites pode comprometer a vitalidade dos centros urbanos: “Do ponto de visto urbano, todos perdem, porque a cidade vai ficando cada vez mais estratificada”.

Que elementos concorrem para a expansão periférica por grupos de alta renda?
Eber Faioli

Heloísa Costa: planejamento metropolitano

A região Sul de Belo Horizonte já apresenta, há algum tempo, a tendência de ser ocupada por uma população mais elitizada e ligada aos bairros mais ricos da capital. De certo modo, essa expansão periférica é uma continuidade desse processo. Trata-se de uma área importante do ponto de vista paisagístico e ambiental e que transpõe os contornos da Serra do Curral. O fato de ser uma Área de Preservação Ambiental (APA) agrega valor, por se tratar de uma região muito bonita e desejada. É também uma área de importantes recursos hídricos, uma das “caixas d´água” da região metropolitana e que, por isso, não pode ter uma ocupação de alta densidade. Essa situação já estava prevista desde o final dos anos 70, por ocasião do planejamento metropolitano, proposto pelo Planbel, o que ajudou a proteger a região de uma urbanização muito intensa. Assim, ela se valorizou e se elitizou.
Outro ingrediente fundamental pra entender essa dinâmica é o fato de as mineradoras terem, durante décadas, comprado muitas terras para garantir o acesso ao subsolo.

Vivemos então um processo de formação de uma “periferia dos ricos”?

Em geral, o termo periferia é associado a áreas mais populares. Criou-se um estigma e, para também combatê-lo, chamamos de periferia essa expansão promovida por uma população de alta renda em áreas de preservação ambiental e, ao mesmo tempo, exploradas por atividades econômicas degradantes, como a mineração.

Em que medida esse processo de distanciamento dos ricos em relação ao núcleo central da cidade compromete o seu vínculo com a pólis e com a própria noção de unidade que ela enseja?

Essa idéia da cidade como unidade é interessante, mas deve ser vista com cuidado. A cidade é formada por partes estanques e que, muitas vezes, não conversam entre si. Temos favelas no interior de áreas extremamente valorizadas. E, no caso particular de Belo Horizonte, um elemento pertubador está no fato de que existe um movimento de expansão por meio de grupos de média e alta renda e não há lugar nessa expansão para alojar todo um exército de pessoas que, inclusive, trabalha para essa população rica. Na APA-Sul, existe apenas um bairro, o Jardim Canadá, que é o único parecido com uma cidade tradicional. Lá existe botequim de esquina, mercearia, casa de consertos de bicicletas, enfim, uma pluralidade que outros bairros da região não têm.

O que a cidade perde ao ser abandonada por sua elite?

O que ocorre nesse fenômeno é que o encontro com o outro deixou de ser uma oportunidade de aprendizado para transformar-se numa ameaça. E isso, em termos urbanos, é péssimo para a vitalidade da cidade, do centrão e dos seus subcentros. A nossa idéia de estudar o eixo sul foi exatamente para tentar mostrar que, por um lado, isso pode ser muito bom e agradável para indivíduos e famílias que se refugiam nessas áreas afastadas. Mas, do ponto de vista urbano, todos perdem, porque a cidade vai ficando cada vez mais estratificada.

Contrapondo-se a esse desprestígio das cidades, que se vêem abandonadas pela sua população mais abastada, observa-se a existência de movimentos de revitalização dos centros urbanos. Isso não é um paradoxo?

Essa é uma questão importantíssima. Precisamos planejar as cidades no âmbito metropolitano, porque as iniciativas atuais são de caráter municipal. O planejamento de Belo Horizonte, por exemplo, pára na divisa com Nova Lima. Mas o espaço urbano tem continuidade, ele não termina na fronteira dos municípios. Outra necessidade é pensar as áreas construídas e as não-construídas. Planejamento urbano e ambiental precisam andar juntos.

Já existe alguma legislação que contemple essa questão?

Na Assembléia Legislativa de Minas Gerais, tramita uma proposta de reordenamento institucional metropolitano. Mas a discussão ainda está restrita ao universo parlamentar e não se abriu para a sociedade civil dos municípios. Ainda não há um debate mais adequado até para avaliar se essa é mesmo a forma mais apropriada de gestão urbana.

A senhora acha possível conciliar uma política de loteamento com o respeito ao meio ambiente e com o interesse público?

Não acho que qualquer ocupação seja necessariamente agressiva. Muitos dos loteamentos na região foram planejados, nos anos 60 e 70, de uma forma bastante cuidadosa em termos ambientais. Por outro lado, muitos dos parcelamentos atuais não observam cuidados com os parâmetros básicos. Alguns têm a vegetação removida ou são feitos em áreas propícias a deslizes. E muitas pessoas constroem nesses terrenos como se estivessem dentro da cidade. Tiram a cobertura vegetal, ocupam o lote inteiro, impermeabilizam o terreno e os cercam com muros altos e grades. Esta é uma tendência de alguns loteamentos mais novos e que é incompatível com a idéia de viver em harmonia com a natureza, característica dos loteamentos mais antigos. O fenômeno de hoje é fruto de um desejo que mistura fuga dos problemas urbanos com uma aproximação da natureza. Só que essa proximidade deixou de ser um valor e virou um produto.