Busca no site da UFMG

Nº 1527 - Ano 32
20.04.2006

Sites de busca emburrecem os estudantes?*

Edward Tenner**

onversas sobre declínio eram coisa antiga na academia já em 1898, quando tradicionalistas fustigavam Harvard por ter eliminado a exigência do idioma grego para o ingresso na universidade. Mas há hoje um viés novo: os sites de busca estarão emburrecendo os estudantes?

Em dezembro, o Centro Nacional para Estatísticas da Educação, dos Estados Unidos, publicou um relatório sobre a capacidade de ler e escrever. Revelou que a proporção de universitários capazes de interpretar textos complexos havia caído de 40% para 31% desde 1992. Como diz Mark S. Schneider, comissário de estatísticas da educação do Centro, “o inquietante é que a avaliação não pretendia testar a compreensão de Proust, mas a habilidade de ler rótulos”. Uma pesquisa britânica teve resultados semelhantes.

A grande mudança foi a Internet. A partir do início da década de 1990, escolas, bibliotecas e governos adotaram a Internet como o portal para o acesso universal à informação. E no âmago de suas esperanças estavam mecanismos de busca, como o Google e seus rivais, Yahoo e MSN. Os novos sites não só encontram mais, eles geralmente apresentam informação utilizável na primeira tela.

O Google, modestamente, declara que sua missão é “organizar a informação do mundo e torná-la universalmente acessível e útil”. Mas a conveniência pode ser problema. Nos primórdios da Internet, o mecanismo de busca mais sério era o Alta Vista. Para usá-lo bem, o pesquisador precisava aprender a construir um enunciado como “Engelbert Humperdinck e não Las Vegas” – para o compositor de ópera, não o cantor contemporâneo. Agora, graças a uma programação brilhante, uma simples consulta produz uma primeira página pelo menos adequada.

A eficiência decorre de sua capacidade de analisar conexões entre sites. O Google classifica páginas pela freqüência com que são conectados a outros sites altamente classificados. Conseguiu isso usando uma variação de um conceito familiar em ciência natural, a análise de citações. Em vez de procurar quais estudos são mais citados nas publicações influentes, ele afere com que freqüência as páginas são conectadas a sites altamente classificados – o que é feito por conexões com eles mesmos. A análise de citações tem sido atacada em círculos bibliotecários por inflar as classificações (e indiretamente os preços) de algumas publicações.

Os mecanismos de busca têm o problema oposto: a dispersão em vez da concentração de interesse. Apesar do ajuste fino, suas fórmulas exibem sites medíocres no mesmo pé que os especializados. Curioso sobre o campo acadêmico de história do mundo? Consulte “história do mundo” no Google. Quando tentei, o único artigo sobre o movimento de história do mundo, da Wikipedia, só aparece na quinta tela e era breve e concêntrico. Só na sétima tela descobri o site World History Network, nada bom para iniciantes.

Muitos estudantes parecem não ter habilidade para estruturar suas buscas. Em 2002, pediram a estudantes de graduação da Universidade de Tel-Aviv que encontrassem na Internet, sem limite de tempo, uma imagem da Monalisa, o texto completo de Robinson Crusoe ou David Copperfield e uma receita de torta de maçã com fotografia. Só 15% executaram as três tarefas.

Hoje, o Google acelerou essas tarefas, mas o problema persiste. Bibliotecária da Associação Histórica Americana, Pamela Martin observou que “a simplicidade e a impressionante proeza de busca do Google enganam os estudantes, fazendo-os crer que são bons pesquisadores em geral”.

A educação superior está contra-atacando. Bibliotecários estão ensinando “capacitação para obter informação”. Alunos de pós estão começando a discutir a adesão à Wikipedia em vez de combatê-la, como muitos ainda fazem quixotescamente. Uma melhor informação numa sala de aula poderá produzir a sociedade que a Internet um dia prometeu? Há duas maneiras de avançar. Mais proprietários de conteúdo gratuito de qualidade deveriam aprender as manhas para incrementar seus sites de forma a melhorar sua classificação nos mecanismos de busca.

E o Google pode fazer mais para educar os usuários sobre o poder – e freqüente conveniência – de suas opções de busca avançada. Seria uma vergonha se uma tecnologia brilhante acabasse ameaçando o intelecto que a produziu.

 

** PhD em História e pesquisador do Departamento de Ciências Geológicas e Geofísicas da Universidade de Princeton. Autor dos livros A vingança da tecnologia e Our own devices: how technology remakes humanity
* Artigo publicado em O Estado de São Paulo, de 2 de abril


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