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Nº 1529 - Ano 32
04.05.2006

A mídia ao lado dos “sem-voz”

Kleyson Barbosa e Sílvia Dalben

movimento Digital Storytelling surgiu nos EUA, em 1993, para estimular as pessoas a usarem o vídeo para contar experiências pessoais. Embora parta da vivência individual, a metodologia pode influir na história da sociedade, já que a reunião de relatos pessoais tem força para se transformar em memória viva, permitindo a formação de nova percepção da identidade coletiva.

Essa é uma das idéias do pesquisador norte-americano Joseph Lambert, fundador do movimento e diretor-executivo do Centro de Digital Storytelling (www.storycenter.org). Ele esteve na UFMG entre os dias 17 e 20 de abril, quando participou de conferência e ministrou workshop sobre a tecnologia, tema desta entrevista concedida ao BOLETIM.

Em que consiste o método de Digital Storytelling (contação de histórias em meio digital)?
O Digital Storytelling é um método que ajuda as pessoas a contarem suas experiências pessoais por meio do vídeo, tendo como ponto de partida objetos simples, como fotografia, carta ou desenho. Esta é uma das idéias principais, mas, num sentido mais amplo, queremos desenvolver um método que, por meio de mídias digitais, crie novos mecanismos para dar voz às pessoas.
Foca Lisboa
Joseph Lambert: diálogo entre classes sociais

Como este método alcança o objetivo de “dar voz” às pessoas?
Um dos grandes avanços do século 20 foi dar voz a pessoas antes consideradas invisíveis pela mídia. O ato de registrar narrativas mais simples e menores passou a ser mais valorizado. Até então, elas só tinham visibilidade se escritas em diários como os de Anne Frank ou em narrativas de pessoas em cujas vidas havia algum acontecimento importante. Com o método, começamos a mostrar para as pessoas que não existe apenas uma história, não há uma maneira única e correta de narrar uma experiência. Se coletarmos o maior numero de vozes na nossa comunidade, teremos uma consciência muito mais apurada e uma noção melhor de como somos realmente. O Digital Storytelling surge num momento em que um número maior de pessoas poderá fazer um filme e, assim, mais vozes serão ouvidas e novas possibilidades de olhar para uma mesma questão serão apresentadas.

Como esse processo afeta a vida das pessoas?
Este método afeta de maneiras variadas a forma como pensamos a mídia e a voz. Os objetos, que são o ponto de partida do vídeo, se relacionam com a voz interior e com as lembranças que trazem para a pessoa. É preciso explorar a maneira como esses objetos se conectam com o conhecimento para interpretar o seu significado. É uma forma diferente de se expressar, que trabalha com esses objetos em programas de computador. O que queremos é dar mais poder às pessoas. E depois de vários anos trabalhando nisso, descobrimos que essa dinâmica afeta as pessoas de duas formas: primeiro como terapia que possibilita um auto-conhecimento e, segundo, como uma ação social, em que a pessoa começa a participar de forma ativa e consciente da sociedade.

Que razões motivaram a criação do método?
Em 1993, estávamos envolvidos no primeiro projeto do American Film Institute, trabalho que permitiu a edição de pequenos filmes em computador. Até onde se sabe, isso nunca havia sido feito antes em qualquer lugar no mundo. A partir daquele momento, concluímos que qualquer pessoa poderia editar filmes. E nós vimos nestas novas ferramentas uma oportunidade para lidar com as injustiças e as desigualdades existentes na mídia, na forma como ela está distribuída tradicionalmente, concentrada na mão de poucos. Assim, vemos o avanço da tecnologia digital como um movimento pela democratização e ampliação do acesso da mídia.

Mas os equipamentos necessários para aplicar esse método são muito caros. Isso não é um obstáculo para a democratização?
Os equipamentos ainda são muito caros, mas esse preço está caindo e, num futuro bem próximo, os monitores digitais estarão em todos os lugares. Não será todo mundo em uma favela, por exemplo, que poderá ter um monitor desses, mas uma quantidade significativa de moradores de áreas mais pobres poderá ter um. O que pode facilitar tudo isso é a abertura de espaço para novas vozes, idéias e possibilidades. Estamos no início da curva, e este movimento não está nem perto de se completar. Precisamos de pelo menos mais 30 anos para avaliar o impacto que isso trará para a sociedade. De todo modo, só a possibilidade de ensinar uma pessoa a editar um vídeo já é uma experiência bem diferente.

E como podemos utilizar esse método no Brasil para diminuir as diferenças sociais?
Antes de tudo, precisamos lembrar que essas máquinas ainda são muito caras e custam mais do que uma família consegue ganhar em um ano. Assim, precisamos pensar em alternativas para aumentar a inclusão digital. E de alguma forma já temos algumas experiências no Brasil, como o trabalho do Centro de Mídia Independente, o desenvolvimento de softwares livres e de computadores mais baratos. Em São Paulo, tive a oportunidade de assistir a um vídeo editado em programa da plataforma Linux. Mas, mais importante do que a tecnologia, talvez seja fazer com que as pessoas se escutem mais. Numa sociedade onde a desigualdade social é muito grande, ricos e pobres não dialogam, cada um vive em seu próprio mundo. De certa forma, estamos negociando uma comunicação mais efetiva entre classes, tentando construir um modelo que crie mecanismos para permitir que as pessoas compreendam melhor a sociedade em que estão inseridas. E caracterizar essa sociedade é muito mais complicado do que fazer um vídeo. Assim, esse processo de dar voz às pessoas é uma tentativa de lutar por uma sociedade mais justa. O Digital Storytelling caminha na direção de trabalhar com uma nova maneira de escutar o próximo.