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Nº 1531 - Ano 32
18.05.2006

De objetos a atores acadêmicos

Como alunos de licenciatura da UFMG, indígenas participarão, pela primeira vez, da produção do conhecimento

Ana Rita Araújo

eixar de ser apenas objeto de estudo e assumir o papel de co-autores do desenvolvimento científico e tecnológico. Com essa expectativa, 142 professores indígenas, representantes das oito etnias residentes em Minas Gerais, iniciaram, na UFMG, o primeiro módulo de atividades presenciais do Curso de Formação Intercultural para Educadores Indígenas.

Ao mesmo tempo em que comemoram a criação da licenciatura como concretização de uma luta que começou há mais de uma década, lideranças indígenas e articuladores do projeto anunciam o desejo de ver índios em outros espaços universitários, como os cursos regulares de graduação e de pós-graduação. “O assunto tem avançado nesse ambiente de discussão da inclusão e das cotas”, constata o líder Ailton Krenak, assessor especial para educação indígena do Estado de Minas Gerais.
Foca Lisboa

José Nunes: demandas reais

“Esta árvore tem uma raiz forte e o fruto dela está na aldeia, na autonomia e na força dos povos indígenas” disse a professora Márcia Spyer, uma das pioneiras do projeto de educação indígena na UFMG, durante a abertura do curso, no último dia 8, na Faculdade de Educação.

Resgate
O novo grupo de calouros da UFMG é composto por professores que já atuam em suas respectivas aldeias. Quando crianças, muitos foram alunos de professores brancos que não estavam preparados para resgatar e preservar a cultura indígena. Esta realidade começou a mudar em 1995, com os primeiros cursos de formação realizados no Parque Estadual Vale do Rio Doce, vinculado ao Instituto Estadual de Florestas (IEF).

Professor aposentado do ICB e diretor do IEF desde a década de 90, Célio Valle é pioneiro no apoio à formação de professores indígenas. “À época, vimos as dificuldades e cedemos espaço e estrutura para a realização dos cursos”, relembra, ao afirmar que ainda hoje o Instituto põe transporte e motoristas à disposição do projeto de educação indígena.

Consolidada a implantação das escolas nas aldeias, os alunos da licenciatura sabem que têm o desafio de melhorar a qualidade do ensino e mudar as estatísticas que demonstram a enorme demanda reprimida por ensino médio. Segundo dados do censo brasileiro de 2005, 63,8% alunos das aldeias estão nas séries iniciais do ensino fundamental, 14,9% nas salas de 5ª a 8ª séries e apenas 2,9% no ensino médio.

“A licenciatura é estratégica para o desenvolvimento de recursos humanos dos territórios indígenas independentes”, destaca o coordenador-geral de Educação Escolar Indígena no MEC, Kleber Gesteira e Matos.

Segundo a coordenadora-geral da licenciatura indígena na UFMG, Lúcia Helena Álvarez Leite, a licenciatura representa um marco na luta dos povos índigenas por sua autonomia. “Eles agora passam a ser sujeitos de sua prática acadêmica e de sua pesquisa”, afirma. Antiga reinvidicação das comunidades indígenas, o programa levantará outras demandas, prevê a professora. “A partir dele, outras necessidades serão expostas, como a de se criar mecanismos de financiamento da produção acadêmica indígena”. O calouro José Nunes ressalta a necessidade de associar os novos conhecimentos às demandas reais das comunidades – da subsistência à preservação das aldeias.

A licenciatura foi organizada em três grandes eixos curriculares: Realidade socioambiental; Múltiplas linguagens; e A escola e seus sujeitos, coordenadas respectivamente pelas professoras Ana Gomes, Maria Inês de Almeida e Lúcia Helena Álvarez. A partir desses eixos, cada aluno escolherá as disciplinas que cursará, numa proposta curricular denominada percurso acadêmico. “A idéia é privilegiar a diferença dos interesses individuais”, explica a professora Maria Inês de Almeida.

Esforço conjunto
Os novos estudantes de graduação da UFMG ficam em Belo Horizonte até 2 de junho, quando retornam a suas aldeias para continuar as atividades do curso, com a orientação de monitores da UFMG. Farão ainda dois laboratórios interculturais, em que participarão de núcleo de pesquisa da Universidade. Em setembro, voltam à capital para outro módulo presencial. Com duração prevista para cinco anos, o curso é pioneiro no Brasil, simultaneamente aos dos estados de Mato Grosso e Roraima.

A licenciatura é financiada com recursos do edital do Programa de Apoio à Implantação e Desenvolvimento de Cursos de Licenciatura para Formação de Professores Indígenas (Prolind), aberto pelo Ministério da Educação, que disponibilizou R$ 500 mil para a licenciatura indígena.

Na UFMG, a realização da licenciatura conta com o apoio da Funai, que destinará R$ 372 mil anuais, e da Secretaria de Estado de Educação, com o repasse de R$ 89 mil. A Universidade é responsável pelo corpo docente, espaço físico e equipamentos. Já a Fundação Universitária Mendes Pimentel (Fump) fornece almoço diário, no restaurante setorial do campus Pampulha, durante o período em que os alunos permanecem em Belo Horizonte. “É o apoio da Fump a um programa de mérito indiscutível”, justifica o presidente da Fundação, professor Tasso Moraes e Santos.

Oito etnias: Xakriabá, Pataxó, Maxakali, Krenac, Kaxixó, Xukuru Kariri, Pankararu e Aranã