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Nº 1531 - Ano 32
18.05.2006

Mestre índio, discípulo branco

Maxakalis ensinam sua arte e cultura a estudantes da UFMG

Maíra Rodrigues

rte e cultura indígenas se aprendem em escola de branco? Talvez o termo aprender não seja o mais adequado. Mas é bem possível que sejam melhor compreendidas pelos povos ditos “civilizados” se forem levadas para as suas salas pelos detentores dessas tradições, os próprios índios. Esse é o espírito de mais uma iniciativa acadêmica na UFMG voltada para a valorização da cultura indígena: o Laboratório interdisciplinar sobre práticas artísticas Maxakali, que teve suas atividades realizadas na Escola de Belas-Artes.
Foca Lisboa

Mestre maxakali instrui aluno da UFMG: reflexão sobre vivências artísticas

Em dois ciclos – de 12 a 24 de março e de 1o a 7 de maio – cinco índios ministraram aulas de cultura maxakali dentro do projeto Artistas e mestres das tradições Maxakali, inserido no programa Artista Visitante, gerenciado pela Pró-Reitoria de Pesquisa, e que convida, a partir de solicitações das unidades acadêmicas, pessoas de reconhecido saber a desenvolver projetos na Universidade.

Durante as 45 horas de aulas, os alunos dos cursos de Música e Belas-Artes aprenderam os significados de pinturas e mergulharam no universo de mitos, brincadeiras, cantos e técnicas vocais e corporais dos índios. “O objetivo é permitir que os nossos alunos conheçam algumas das práticas artísticas e musicais dos índios, multiplicando, assim, as experiências e reflexões sobre as suas próprias práticas artísticas”, ressalta a professora Rosângela Pereira Tugny, uma das coordenadoras do projeto ao lado do professor Fernando Mencarelli, da Escola de Belas Artes. Segundo ela, o convívio com as tradições maxakalis aciona outra visão de mundo e possibilita aos alunos perceberem a frivolidade dos fazeres artísticos ocidentais: “Essa experiência nos faz pensar o que é a morte, a cor, o corpo humano e animal”, afirma Rosângela Tugny.

O diálogo com os índios revela outra forma de lidar com o conhecimento e com a arte. “É muito diferente o professor ir à aldeia e contar aos alunos como foi. Quando chegam à Universidade, os índios carregam seus ritmos e seus cheiros, ainda que tragam também sua profunda recusa em responder às nossas questões”, destaca a professora. A professora Rosângela Tugny lembra que, tradicionalmente, o contato com os costumes indígenas ocorre numa “perspectiva utilitária”, considerando a outra cultura como um objeto e transformando suas práticas simbólicas em “material exótico”. “Queremos que os alunos entendam a sutileza e o refinamento das práticas artísticas maxakalis, que ampliem sua capacidade de assimilar a cultura indígena”, justifica professora.

Língua dos antepassados
O laboratório foi concebido graças à pesquisa com os maxakalis realizada pela professora Rosângela Tugny. Há três anos, ela e sua equipe vão às reservas localizadas no Nordeste de Minas assistir e registrar os rituais da etnia. Cada ritual pode compreender cerca de 300 cantos, vários mitos, jogos e encenações teatrais. As músicas são entoadas no idioma que eles denominam de “língua dos antepassados”. Suas letras apresentam tantas descrições de animais e plantas que foi preciso elaborar um glossário para auxiliar as traduções dos cânticos para o português.

As últimas aulas ocorreram em um sítio próximo a Belo Horizonte, onde estudantes e mestres passaram um fim de semana. Eles fizeram incursões na mata para recolher materiais utilizados na construção de uma casa e na fabricação de artefatos para rituais. Os alunos também aprenderam técnicas de artesanato, pintura, dança e música e puderam experimentar o tempo da realização dos rituais, assim como o gestual e comportamentos adequados.

Para o aluno Douglas Campelo, do curso de Música, a proposta da disciplina é interessante. “Experimentamos outro tempo e outra concepção de pensamento. Há quem diga que ocorre um certo ‘embranquecimento’ dos índios. Mas isso também acontece com os brancos, que, de alguma maneira, se ‘indianizam’”, afirma o estudante. Seu colega de curso, David Rangel, também aprovou a experiência, destacando o fato de as últimas aulas terem acontecido numa espécie de “campo neutro”. “As aulas no sítio serviram justamente para equilibrar: não é o ambiente deles, mas também não é o nosso”, afirma.

A duras penas,
maxakalis preservam identidade


Os maxakalis estão entre as três únicas sociedades indígenas originárias de zonas de Mata Atlântica que, apesar de três séculos de difícil contato com os brancos e da perda das reservas naturais, resguardaram parcela importante de sua diversidade artística, cultural e musical. Cerca de 900 indivíduos vivem em território de cerca de cinco mil hectares, no Nordeste de Minas, em duas reservas, Pradinho e Água Boa, próximas aos municípios de Santa Helena de Minas e Bertópolis. Outros 300 moram numa área próxima de Governador Valadares. Eles falam o Maxakali, língua pertencente ao tronco lingüístico Macro-Gê, e vivem de pequenos cultivos e doações de cestas básicas. Por serem essencialmente caçadores e pescadores, enfrentam problemas de subsistência devido à degradação ambiental de seu território.