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Nº 1532 - Ano 32
25.05.2006

O Mercosul ainda existe?*

Franklin Trein**

Mercosul ainda existe? Mais ou menos. Não só diplomatas e espe- cialistas, a opinião pública também tem conhecimento de que o Mercado Comum do Sul, ao completar 15 anos, passa por sua crise mais grave. Mas crise não é novidade na história do Mercosul.

A situação que enfrentavam os países que o constituem no início dos anos 90 era, em muitos aspectos, pior do que esta que atravessam hoje. Desde o início era sabido que integrar sociedades nacionais com graves problemas econômicos, sociais e políticos como os que afetam historicamente a América Latina, exigiria grande habilidade estratégica, custos não desprezíveis e muita negociação. Conseguimos realizar um pouco em quase tudo, mas não conseguimos tudo em nenhum pouco.O resultado foi que, levados pela baixa auto-estima e por formadores de opinião que nem sempre podem confessar seus verdadeiros interesses, pavimentamos a trajetória do Mercosul muito mais com pequenos e sucessivos fracassos do que com seus feitos positivos.

A verdade sobre o Mercosul, no entanto, é um pouco diferente disso que tanto se fala. Apoiada em um pilar indispensável a todo processo de integração, a cultura, que entre nós nunca esteve em crise – que pelo contrário, sempre foi expressão da riqueza de nossas sociedades – conquistamos muitos êxitos. A sociedade civil dos quatro países – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – realizou incontáveis encontros, estabeleceu relações multilaterais, identificou problemas comuns, trocou experiências, descobriu identidades, discutiu diferenças.

Em muitos momentos fronteiras políticas foram apagadas pelo diálogo e fronteiras físicas se transformaram em territórios comuns. Na sociedade civil universidades e seus grupos de pesquisa, associações científicas e culturais, sindicatos, instituições corporativas, organizações não-governamentais estabeleceram relações e mantiveram freqüentes encontros e trocas de experiências.

Ainda no âmbito do Estado, um pouco à margem das relações inter-governamentais, os municípios também buscaram relações transfronteiras. As Mercocidades, as Mercouniversidades, a Orquestra Sinfônica Jovem do Mercosul, são só alguns entre os muitos exemplos de uma integração que deu certo. O Mercosul não deu certo só como uma zona de trocas comerciais.

Além do retorno do ensino de espanhol nas escolas brasileiras e do fato dela ter se tornado a segunda língua mais procurada nos cursos particulares, os nossos parceiros no Mercosul se tornaram um dos destinos mais importantes para nosso turismo. Por sua vez, também já se aprende português nas escolas do Uruguai e em muitas da Argentina. No caso particular do Paraguai, hoje a sua frágil democracia está assegurada muito mais pelos compromissos impostos pelo Tratado de Assunção do que pelo respeito mútuo de suas forças políticas internas.

Nada disto pode ser jogado fora porque falta habilidade dos governantes ou porque são contrariados os interesses de lucro imediato. As sociedades são muito maiores e a história dura muito mais do que incompetências e egoísmos. Cabe-nos seguir apostando nos elementos positivos da integração, até porque não nos resta outra alternativa se quisermos preservar nossa identidade e nossa dignidade em um mundo cada dia mais marcado pela imposição de hegemonias.

As Universidades, em geral, e os grupos de pesquisa, em particular, têm uma condição privilegiada para continuar apostando na integração. A experiência positiva do diálogo que já se estabeleceu entre as partes, somada à perspectiva de uma contribuição de grande significado e responsabilidade para o desenvolvimento equilibrado da região, definem um compromisso histórico que não pode ser rejeitado. A integração acadêmica – científica, tecnológica e política – no Mercosul pode produzir um efeito catalisador de grande importância, que só tempos futuros serão capazes de avaliar em todo o seu valor.

*Artigo publicado no JC e-mail, de 18 de maio de 2006
**Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro


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