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Nº 1538 - Ano 32
06.07.2006

Senhor da memória do Vau

Maurício Guilherme da Silva Jr.

urante a década de 80, na pequena Vau, distrito de Diamantina (MG), uma questão o afligia: por falta de clientela, o correio do vilarejo seria fechado. Temeroso de um possível isolamento e ciente da importância de transmitir informações ao “mundo externo”, Pedro Braga, contador de “causos” famoso na região, resolveu tomar providências. De próprio punho, escreveu dezenas de cartas para todos os que passaram por sua terra. Além de garantir a permanência do serviço postal, aquele era o modo de perpetuar a memória do lugar.

Parte da capa do anexo da dissertação de Josiley Souza

Dissertação da Fale analisa vida e obra do contador de “causos” Pedro Braga, cujos escritos eternizam tradição cultural do Vale do Jequitinhonha

Poeta, prosador e “historiador” de sua terra, Pedro Cordeiro Braga, morto em 2000 aos 83 anos, deixou vasto legado literário. A idéia de investigar as nuances da obra do contador, imortalizada em mais de 14 cadernos repletos de poemas, “causos” e pensamentos, foi o que levou Josiley Francisco de Souza a escrever a dissertação de mestrado Pedro Braga – uma voz no Vau, defendida em março no programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Letras (Fale) da UFMG.

Por trás dos escritos do contador, figura que mais tarde inspiraria a cineasta Eliane Caffé a compor o personagem principal do filme Narradores de Javé (2003), está a ânsia de Pedro em perenizar a história de seu povo. Apesar de sempre falar das fábulas e realidades de seu universo aos amigos que o rodeavam, aquele filho do Vale do Jequitinhonha buscou transmitir sua versão da vida que vivera e da cultura que absorvera dos próprios antepassados.

No trabalho, Josiley Souza buscou compreender a função social exercida por Pedro Braga, além de analisar os escritos – poesia e prosa – encontrados nos cadernos guardados na casa do contador. Leu toda a obra do autor mineiro, ouviu CDs com os “causos” contados por ele – recolhidos pelos pesquisadores do projeto Quem conta um conto, aumenta um ponto, da Fale –, e entrevistou familiares e amigos.

Narrador sedentário
Ao resgatar conceito elaborado pelo pensador alemão Walter Benjamin, Josiley definiu Pedro Braga como “narrador sedentário”. “Ele nunca morou em outras terras e tornou-se o guardador da história e da memória do Vau”, lembra o pesquisador. Além disso, a partir de certa ocasião, Pedro assume, como tantos outros contadores de “causos”, o papel de aconselhador, função que exercia com gosto: “Quem não ouve conselho, ouve coitado”, costumava dizer.

Principal instrumento utilizado pelo “memorialista” Pedro Braga, que freqüentara a escola por apenas três anos, a prosa foi o espaço ideal para o exercício da imaginação e serviu de referência para a memória do contador. “Pedro sempre datava o período da história contada e a ocasião em que escrevia o próprio texto. E tinha grande preocupação em descrever a ‘verdade’”, explica Josiley de Souza.

Se o compromisso da prosa de Pedro Braga é com a verdade, sua poesia é lírica, por vezes, romântica. Os poemas do contador mineiro abordam a religiosidade, a natureza, as experiência pessoais e os encontros amorosos. A própria vida afetiva de Pedro aproximou-se da ficção literária. Certa vez, na juventude, o contador, ao defender a mãe, matou um homem. Apesar de absolvido posteriormente, passa alguns dias na prisão. “Na cadeia, conhece uma mulher baiana, por quem se apaixona e a quem dedica poemas”, conta Josiley. Mesmo com os versos, o poeta jamais conquistaria a amada.

Em sua pesquisa, Josiley de Souza também revela que a veia poética de Pedro conta com elementos da “tradição oral”, principalmente pelo formato dos versos: a boa e velha “quadra”. Outra característica da poesia do contador diz respeito ao papel atribuído à figura dos negros. Ao contrário do pensamento hegemônico, que muitas vezes relega aos escravos africanos à condição de coadjuvantes, Braga concede-lhes o status de protagonistas.

 

Dissertação: Pedro Braga – uma voz no Vau
Autor: Josiley Francisco de Souza
Orientadora: professora Sônia Queiroz
Defesa: 9 de março de 2006, dentro do programa
de Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Letras (Fale)