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Nº 1538 - Ano 32
06.07.2006

Vale do Jequitinhonha
aponta seus rumos

UFMG finaliza diagnóstico sobre a região em parceria com a população

Ana Maria Vieira

retrato de “ausências” do Vale do Jequitinhonha é por demais conhe- cido e antigo. Com história de ocupação humana capitaneada pela pecuária e mineração, no início do século XVIII, o local, nesses 300 anos, continua a apresentar desafios e a ostentar títulos nada lisonjeiros, como o de quarta região mais carente do mundo. Para confirmar essa realidade, basta rever seus índices de desenvolvimento humano: altas taxas de mortalidade infantil, migração, concentração de terras, analfabetismo e desemprego convivem com baixos níveis de renda e oferta precária de serviços de saúde, educação e saneamento básico.
Arquivo Pólo de Integração da UFMG no Vale do Jequitinhonha

A extrema pobreza da região e de sua população, contudo, sempre contrastou com a riqueza de recursos minerais do subsolo, das belezas naturais e de seu patrimônio histórico e cultural. Tais dificuldades e potencialidades, eternas promessas de desenvolvimento da região, foram revisitadas pela UFMG e ganharam novo diagnóstico, que será divulgado no segundo semestre deste ano. Iniciado em 2002, no Alto do Jequitinhonha, por meio de recursos da Finep, e finalizado no ano passado, nas outras duas sub-regiões (Médio e Baixo Jequitinhonha), com financiamento do MEC, o trabalho de pesquisa apresenta surpresas.

“Este não é apenas mais um diagnóstico sobre a região”, diz a coordenadora-executiva do programa Pólo de Integração da UFMG no Vale do Jequitinhonha, Maria das Dores Pimentel Nogueira, a Marizinha. Ela explica que a diferença do trabalho reside no fato de ter incorporado análise da população local. “Nosso objetivo consistiu em construir proposta de desenvolvimento socioeconômico para o Vale, tendo como referência a percepção de seus habitantes sobre o que poderia ser feito e as razões de isso não estar ocorrendo”, resume.

Coordenada pelo demógrafo e professor da Faculdade de Ciências Econômicas (Face), Roberto Rodrigues Nascimento, a pesquisa utilizou dados censitários e outros colhidos em entrevista com grupos focais. “Percorremos 56 municípios do Vale e conversamos com a população”, explica o professor, que coordenou os trabalhos com o economista Dimitri Fazito e o demógrafo e professor do Instituto de Geociências (IGC), Weber Soares.

Pólo de Integração da UFMG no Vale do Jequitinhonha
Um dos programas de maior impacto social desenvolvido pela Universidade, o Pólo beneficia milhares de habitantes da região por meio de 73 projetos nas áreas de cultura, educação, geração de ocupação e renda, meio ambiente, saúde e desenvolvimento regional. O programa, desenvolvido por meio de atividades de extensão, pesquisa e ensino, está comemorando dez anos de existência. Leia mais em www.ufmg.br/polojequitinhonha.

Visão local
O retrato final do Vale apresentado pelos pesquisadores é facilmente identificado por todos os que conhecem a região. As carências apontadas pela habitantes – plenamente confirmadas por dados censitários – se fazem ouvir como grito de denúncia, mas, especialmente, como alerta sobre quais rumos seguir para melhorar as condições de vida na região.

Sobre a economia local, o conjunto de “ausências” é amplo – mas elas podem ser resumidas em dois itens: a precariedade do serviço de distribuição de água e saneamento, além da inexistência de um sistema integrado de transporte rodoviário que dê suporte à produção agropecuária de pequenos e médios produtores. De acordo com o estudo da UFMG, esse é um fator crônico de limitação para a economia local. “A ausência de malha rodoviária é um ponto de estrangulamento entre as trocas locais e com outros mercados, e produz impactos negativos à capacidade dos produtores gerarem renda com a própria atividade”, explica Roberto Nascimento.

Com economias descapitalizadas, os municípios do Vale tornaram-se grandes exportadores de mão-de-obra para as culturas sazonais de café e cana-de-açúcar, em São Paulo. A ausência de empregos locais gerou outra distorção. “Os grandes empregadores da região são as prefeituras, mas como diversos cargos exigem maior qualificação, esses postos são ocupados por pessoas de outras regiões”, acrescenta o professor.

Melhorar a formação dos habitantes é outra reivindicação presente no discurso dos habitantes. Nesse aspecto, o diagnóstico dos pesquisadores sobre políticas necessárias ao desenvolvimento social do Vale propõe a expansão de serviços de saúde adequados às necessidades da população, aliada à oferta de programas de qualificação profissional – em nível técnico – e de sistema de ensino superior que absorvam, de fato, a demanda dos jovens em toda a região.

Ainda sobre a área social, há recorrentes críticas a políticas assistencialistas e à ausência de projetos destinados à formação qualificada e especializada de recursos humanos capazes de ampliar a produção de bens locais e dinamizar o mercado de trabalho e consumidor. “Deveremos implantar cursos de formação profissional para jovens, em parceira com o Senac”, diz Marizinha, lembrando que a ausência de alternativas profissionais e de ocupação, em especial entre os jovens, é um dos problemas mais graves do Vale.

Região assistiu ao fracasso de políticas de gabinete

Análises dos pesquisadores da UFMG alertam que o sucesso de diversos programas implantados no Vale do Jequitinhonha sempre esteve associado à participação ativa da comunidade. A coordenação da política de investimentos em um projeto integrado de políticas públicas é outro aspecto considerado importante pelos especialistas. “Destinar recursos em uma única atividade ou área geográfica não multiplica benefícios e nem sempre resolve o problema localizado”, avalia Roberto Nascimento.

Eber Faioli
Roberto Nascimento: investimentos devem ser aplicados em projetos integrados

Outra questão abordada pelo professor é o próprio conceito de desenvolvimento presente na proposta da UFMG. “A idéia não é massificar a produção local, propondo grandes instalações industriais”, diz o professor da Face. Ele explica que, como a população expressa o desejo de se manter na região, preservando seus hábitos e suas atividades tradicionais, as políticas públicas devem partir desse universo, para definir as ações em diversas áreas.

“As propostas governamentais, elaboradas apenas nos gabinetes, são perversas para o Vale, pois não possuem identificação com a população local”, confirma Marizinha. Ela observa que a atitude de ignorar a avaliação dos jequitinhonhenses sobre a realidade da região é receita para o fracasso. “Grandes projetos foram implantados, porém deixaram más lembranças no Vale”.

O trabalho de pesquisa da UFMG será transformado em três livros – com lançamento previsto para agosto – e ganhará um grande seminário, também no segundo semestre. A proposta de realizar o evento partiu da Secretaria de Estado da Cultura. “O governo deseja discutir as alternativas de desenvolvimento para a região e, certamente, essa será uma boa oportunidade para ampliar o diálogo com a comunidade do Vale”, diz a coordenadora.

A UFMG também vai apresentar o diagnóstico aos municípios da região e ao governo federal. A intenção é que reflitam sobre os caminhos do desenvolvimento mostrados pela própria população.

 

Vale em números

Área: 79 mil quilômetros quadrados
População: 900 mil habitantes
Analfabetismo: 12%
Média de estudo: 3 anos
Coeficiente de mortalidade infantil: 36,43
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH): 0,65