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Nº 1538 - Ano 32
06.07.2006

Futebol-arte versus futebol-trabalho

Professor da Fale usa o futebol para comparar
as diferenças culturais entre Alemanha e Brasil

Manoella Oliveira

m português, é Copa; em alemão, fussballweltmeisterschaft. As diferenças entre a representação do futebol na Alemanha e no Brasil passam pelo nome dado ao torneio mundial mais importante desse esporte. Idealizador do projeto O discurso do futebol em textos jornalísticos e literários alemães, o professor Günther Augustin, da Faculdade de Letras, começa sua análise comparativa na origem de tudo: a palavra. “Copa é uma palavra simples, de influência inglesa, que remete a uma imagem, à taça. É o símbolo de vitória, que vem do ‘cup’. Em alemão é um desses palavrões”, brinca o professor.

Eber Faioli

Günther Augustin: as diferenças começam nas palavras

O projeto foi iniciado em março de 2005, com o objetivo de inovar o ensino de língua e cultura alemãs para contemplar uma visão mais ampla da matéria. “Desenvolvi uma disciplina para treinar todas as habilidades necessárias para a compreensão de uma língua – falar, ouvir, escrever, ler, traduzir, refletir. Textos jornalísticos, históricos, sociológicos fazem parte da cultura de um país. Por que restringir o ensino da língua à literatura?”, questiona o professor.

Para alcançar essa abordagem mais global, o professor norteou-se por um dos fenômenos culturais mais importantes do país, o futebol, que também é o esporte favorito dos alemães. A Copa do Mundo não foi seu principal motivador, mas favoreceu a troca intercultural Brasil-Alemanha e amenizou a linha que os separa.

Concepção
Gilberto Freire já chamou o futebol brasileiro de dança lírica, diferente da concepção científica que tem na Europa. Pelo menos no caso alemão, o conceito do sociólogo tem sua razão de ser. A equipe técnica alemã, segundo relatos da mídia daquele país, compara o treinamento que desenvolve com sua seleção ao trabalho de um engenheiro que se propõe a fazer uma máquina funcionar. “Enquanto para o brasileiro é futebol-arte, para o alemão é apenas a arte do trabalho”, diferencia Günther.

Uma prova disso pode ser conferida no CD com as reportagens sobre a liga alemã. Ao comparar as locuções radiofônicas na Alemanha com as do Brasil, a diferença é perceptível. Os locutores brasileiros põem mais emoção na voz, e o grito de gol tem duração dez vezes maior.

Günther Augustin também aponta diferenças no uso que brasileiros e alemães fazem do jargão futebolístico. No Brasil, a fala cotidiana sobre futebol é carregada de metáforas, passando, facilmente, do plano factual para uma dimensão mais elaborada. É o caso, por exemplo, das palavras “bicicleta” e “pedalar”. Em alemão, diz o professor, expressões como essa têm significado mais concretos. “No Brasil, futebol é mais do que um jogo de bola”, resume o pesquisador.

Patriotismo
Se o nacionalismo brasileiro está diretamente ligado às conquistas internacionais do escrete canarinho, o mesmo não se pode dizer do país sede da Copa em 2006. “A expressão ‘pátria de chuteiras´ seria impensável na Alemanha porque lá o patriotismo é uma questão problemática, depois das manifestações de nacionalismo que marcaram o país no século 20”, explica o professor, referindo-se às duas guerras mundiais que tiveram os alemães como protagonistas e o surgimento do nazismo, conseqüência desastrosa do nacionalismo alemão.

Este ano, porém, as ruas alemãs receberam turistas, jogadores de todo o mundo e ganharam novos adereços. Carros e janelas são enfeitados com bandeirinhas e elementos que ressaltam suas cores. Embora boa parte dos alemães tenha se rendido ao frenesi da disputa, outros permanecem firmes em sua posição, observa o professor Günther. “Da mesma forma que existem bandeirinhas na janela, há críticas a esse patriotismo superficial. No Brasil esse fenômeno também é criticado, mas as vozes são mais escondidas”, afirma.

“Quem” é a bola?

Elas não chegam a ser como a “grã-fina com narinas de cadáver”, a célebre personagem de Nelson Rodrigues que, durante uma partida de futebol, não sabia “quem” era bola. Mas no meio do futebol há quem ainda torça o nariz para as mulheres que desfilam de verde e amarelo, se esgoelam na hora do gol, mas têm certa dificuldade para definir o que é um tiro de meta. Esse discurso silencioso ainda permeia a sociedade brasileira e deixa no ar a impressão de que o futebol é um jogo de homens, mesmo que as mulheres se esforcem para participar ativamente das conversas técnicas sobre o assunto.

Essa é uma outra diferença cultural entre Brasil e Alemanha captada pelo olhar crítico do professor Günther Augustin. Segundo ele, no país da Copa, o futebol não é uma questão de gênero. A seleção feminina de futebol já ganhou campeonato mundial, as escolas de futebol exclusivas para mulheres estão se espalhando pela Alemanha e várias autoras escrevem sobre o tema. “Aqui, o futebol e outros aspectos da cultura nacional têm traços de machismo. A emancipação das mulheres brasileiras foi lenta e tardia. Na Alemanha, esse processo está em fase mais avançada e isso se reflete no futebol”, comenta.