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Nº 1538 - Ano 32
06.07.2006

Inclusão no Plano de Carreira

Walter Alcântara de Matos Filho*

mestre e educador Paulo Freire conta a seguinte história:

“Em um largo rio, de difícil travessia, havia um barqueiro que atravessava as pessoas de um lado para o outro. Em uma das viagens, iam um advogado e uma professora. Como quem gosta de falar muito, o advogado pergunta ao barqueiro:
– Companheiro, você entende de leis?
– Não, respondeu o barqueiro.
E o advogado compadecido:
– É pena, você perdeu metade da vida.
A professora, muito social, entra na conversa:
– Seu barqueiro, você sabe ler e escrever?
– Também não, respondeu o barqueiro.
– Que pena! Condói-se a mestra. Você perdeu metade de sua vida!
Nisso chega uma onda bastante forte e vira o barco. O barqueiro, preocupado, pergunta:
– Vocês sabem nadar?
– NÃO! Responderam eles rapidamente.
– Então é uma pena, conclui o barqueiro. Vocês perderam toda a vida.
Não há saber maior ou saber menor.
Há saberes diferentes.”

Esse texto, além de mostrar que a humildade intelectual e acadêmica faz bem, também indica o óbvio: Eu aprendo sempre alguma coisa com o outro. Essa interdependência é vital para exercitarmos nossa solidariedade e disposição em partilhar idéias e reconhecer as competências pessoais e profissionais que todos carregam. E no mundo do trabalho também é assim: não existe competência única, mas diversas competências, e a organização, em algum momento, vai depender de todas elas para atingir seus resultados.

As diferenças estão nos níveis de decisão e no grau de responsabilidade de cada função e cargo. Não posso abrir mão do assistente, do auxiliar, do técnico, do diretor, das chefias, do pessoal da limpeza etc. Caso contrário, o meu trabalho não se realiza ou se realiza muito mal. Por isso mesmo, os técnicos de nível superior, que possuem competências tão necessárias quanto qualquer outro trabalhador, não querem criar divisões de classes nem estão em crise corporativa. Querem apenas ser incluídos e reconhecidos na dinâmica do trabalho.

No Plano de Carreira em implementação, queremos fazer parte da socialização dos benefícios salariais, dos níveis de capacitação e do incentivo à qualificação. Com o mesmo peso e a mesma medida dados às outras classes que compõem o Plano e não com maior exigência e menor benefício para os técnicos de nível superior. É interessante observar que, de um piso de dez salários-mínimos em 1987, caímos hoje para um piso de quatro mínimos. Apesar de toda boa vontade, não conseguimos perceber os grandes avanços cantados em verso e prosa. Foi preciso até a criação de um Vencimento Básico Complementar (VBC) para minimizar o rebaixamento salarial. Esqueceram que remuneração é recompensa e que cada pessoa deve ser paga de acordo com o seu esforço, sua habilidade e sua capacitação profissional – já que estamos muito longe de uma tendência igualitária de salários.

Resta-nos agora tentar recompor as faixas salariais de algumas classes, incluindo a Classe E, que buscará os apoios possíveis. Sabemos que o jogo de forças entre patrão e empregado requer, de quem negocia, uma perspicácia fantástica. Qualquer movimento errado desencadeia um caos político e financeiro nas bases sindicais. Mas aqui também é preciso ter humildade política e perceber que há possibilidade de receber apoio de outras instâncias, não necessariamente sindicais, para corrigir falhas no processo de negociação de determinada categoria.

Essas alternativas devem ser tentadas pelos técnicos de nível superior, de preferência, com o apoio sindical. Afinal, por sermos sindicalizados, delegamos esta representação. Mas isso não significa que nenhum outro movimento possa ocorrer. Até porque, é quase impossível negociar, representar e atender tantos interesses diferentes e manter a eqüidade salarial entre as categorias.

Temos a impressão de que, no governo, os fatores levados em conta para medir o valor do trabalhador são apenas orçamentários e políticos. Ele esquece, com freqüência, que o contracheque no final do mês é fator de auto-estima. Aliás, as instituições públicas e privadas estão cheias de conceitos gerenciais modernos: capital intelectual vira “insumo”; equipe vira “time” e pessoas são “ativos”. Essa é a forma usada pelo racionalismo empresarial para justificar sua estressante busca por resultados. Entretanto, o ganho salarial não se moderniza com a mesma intensidade, principalmente no setor público. Basta verificar o Plano de Carreira: esteticamente moderno com suas matrizes, planilhas e conceitos, mas com o conteúdo defasado e sem atender às necessidades do funcionário. Coisas antigas são escritas de um novo jeito: NS vira Classe E, área vira ambiente, progressão vira incentivo. Há ainda fatores considerados ganhos e benefícios: avaliação de desempenho, capacitação, dimensionamento de pessoal – na verdade, políticas de recursos humanos rotineiras experimentadas por qualquer organização, incluindo a UFMG.
Apesar de tudo, devemos reconhecer que o PCCTAE trouxe alguns avanços do ponto de vista organizacional. A partir de agora, será necessário utilizar cada vez mais o planejamento, e as chefias terão que agregar o gerenciamento de recursos humanos, assumindo uma postura mais profissional. Essas ações devem contribuir, efetivamente, para o aperfeiçoamento das políticas de recursos humanos existentes.

Mas é preciso que os funcionários sejam vistos como agentes principais destes avanços, motivados por um salário com razoável poder de compra. Deixar um grupo de trabalhadores se sentir ignorado no ambiente de trabalho, sem saber da sua importância no “time” em que atua, pode comprometer os bons resultados coletivos e individuais almejados pela Instituição.

É preciso que as Ifes fiquem atentas às necessidades dos seus profissionais. Os técnicos de nível superior querem voltar a dedicar energia ao ambiente dinâmico do trabalho e ao bem comum e não às intermináveis crises internas do serviço público. De qualquer forma, os servidores da Classe E continuam mobilizados, atentos, trocando idéias e desabafos que começam a sair da “rede” de e-mails, passando a ganhar novos espaços. Queremos nos sentir contemplados e necessários nesse universo de diferentes saberes.

 

* Pedagogo, chefe da Coordenadoria de Educação e Desenvolvimento de RH do Departamento de Desenvolvimento de Recursos Humanos da PRORH

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