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Nº 1545 - Ano 32
28.08.2006

O professor associado em questão:
um debate necessário

Allan Claudius Queiroz Barbosa*


debate sobre a carreira docente nas Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) ganhou novo elemento com a criação da classe de Professor Associado por meio da Portaria 7, de 29 de junho de 2006. De imediato, a leitura da portaria evidencia que não é possível identificar claramente elementos capazes de elucidar um desenho mais amplo, que paute, por exemplo, uma lógica de gestão de carreiras associada a uma política consistente de gestão de recursos humanos voltada à docência em suas múltiplas atribuições.

Por isso, fica a pergunta: afinal, este novo adendo à carreira docente seria um efetivo ganho para os professores ou um mero paliativo que não resolve questões de natureza estrutural? Questões essas associadas à própria gênese da carreira docente, pensada e estruturada em um ambiente onde era possível projetar, dentro de uma lógica produtiva e de formação, um ponto de partida e um ponto de chegada.

Longe de se prender a esta dicotomia reducionista, visto que ela simplesmente faz crer que existe um lado bom e um lado ruim, a discussão sobre a carreira docente pode ser feita considerando alguns pontos “alternativos” de reflexão. Naturalmente eles não esgotam o debate, mas reforçam a idéia de que é preciso ir além das singelas reflexões que pouco contribuem para elucidar tema tão complexo e de grande impacto na categoria docente.

O primeiro é de natureza conceitual. O que significa carreira e suas nuances em um conjunto de instituições públicas que enfrenta nos últimos anos forte desgaste em suas condições de trabalho e nos mecanismos remuneratórios? Com efeito, o entendimento da carreira pressupõe, em um primeiro momento, a idéia de que ela se define como seqüência ou evolução profissional ao longo do tempo, tanto pela perspectiva do indivíduo, que realiza sua progressão, quanto do espaço onde ele executa atividades que podem potencializar sua performance. Conceito clássico, resume, ainda que de maneira sintética, a idéia sempre esperada de que é possível articular uma espécie de compartilhamento entre o indivíduo e a instituição à qual ele se vincula. Isto é, uma relação de ganho recíproco.

Um segundo ponto passa necessariamente pelo entendimento de que a noção de carreira pressupõe uma política previamente definida para sua concepção. Ou seja, quando em épocas passadas, as Ifes, com um quadro docente pouco titulado, promoviam sua qualificação por meio do incentivo à busca de mestrados e doutoramentos, era patente o pequeno contingente de professores capazes de ocupar de imediato a posição que exigia títulos variados. Por causa disso, o sentido da carreira usual (auxiliar, assistente, adjunto e titular) era adequado à situação existente, tanto pelo perfil docente quanto pelas condições existentes. Hoje isso já não encontra ressonância, pois as mudanças fizeram com que as vagas docentes existentes fossem destinadas, em sua maioria, àqueles com a qualificação já completa, isto é, com o título de doutor.

Esta situação acaba por se traduzir em um terceiro ponto, de natureza política, e está relacionado ao próprio sentido atual da carreira docente. Não é possível dissociá-la do seu entorno e das exigências relacionadas à produtividade a que está submetido o docente. Some-se a isso sua vinculação à própria ação pública, que impede diferenciações significativas no seu mix remuneratório e, muitas vezes, torna incompatíveis o volume de trabalho executado com o valor nominal da remuneração percebida ao fim do mês. Deve-se lembrar ainda que isso foi agravado pelas consideráveis perdas salariais sofridas pelo docente nos últimos anos.

Um quarto – e último – ponto que pode ilustrar o debate acaba também sendo uma espécie de desdobramento do anterior, ainda que em caminho distinto, pois mira em direção ao macro. Trata-se da lógica do gestor público em suas ações que acaba por criar situações de difícil gerenciamento, quando não se repõe perdas docentes ocasionadas por aposentadorias, por exemplo.

Pensar na criação da figura do associado no quadro atual da carreira docente deve, inicialmente, trazer consigo o entendimento de qual carreira está se falando, isso em uma perspectiva conceitual; de qual política das Ifes, no que tange aos demais elementos presentes nesta lógica e que se associam a ela, como a qualificação e a remuneração em um ambiente que exige respostas concretas e ligadas à produtividade acadêmica; e qual seria a proposta de gestão na qual se constrói uma carreira.

Por causa disso, um debate sobre a classe de associados não permite a simplicidade conclusiva que uma lei pode sugerir. Ela não esconde suas limitações estruturais, mesmo que tenha sido elaborada com a boa intenção de minimizar a estagnação que a maioria dos professores adjuntos sofre hoje no seu embate cotidiano e proporcionar ganhos salariais na mudança de faixa. Não há um estímulo ao amplo debate sobre o que, de fato, compõe a carreira, tanto na projeção individual de resultados e ganhos pessoais (muitas vezes intangíveis), quanto no que as Ifes projetam em termos de seus resultados institucionais, passando, naturalmente, pela própria lógica de valorização (ou não) da atividade docente por parte dos gestores públicos. Ainda se espera o debate.

*Professor adjunto da Face/UFMG

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