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Nº 1545 - Ano 32
28.08.2006

Entrevista / João Antônio de Paula

O Brasil desaprendeu a crescer

Ana Maria Vieira

s vésperas de abrir a 12a edição do Seminário de Economia Mineira, em Diamantina, seu coordenador, o professor e pesquisador da Face, João Antônio de Paula, afirma que o país parou de crescer e critica a visão que elege a educação como único antídoto para reverter esse panorama. “Educação é importante, mas o que gera crescimento econômico é investimento”, diz.

Eber Faioli

João Antônio: gargalos estruturais

A análise pode surpreender quem conhece a trajetória desse economista, que recebeu, em 2002, o prêmio Fundep em Humanidades e Artes. Defensor do diálogo com outras áreas da ciência, João Antônio imprimiu característica transdisciplinar ao principal evento sobre economia mineira, que será aberto nesta terça-feira, dia 29, e vai até 1o de setembro. Mais uma vez, temas que vão além da ciência econômica permeiam o evento. Agora, a homenagem recai sobre as obras de Guimarães Rosa e Sérgio Buarque de Holanda. “Queremos olhar para esse Brasil profundo e essencial, universal e singular, que a literatura desenha”, reflete João Antônio, nesta entrevista ao BOLETIM.

Quais os temas e as origens dos trabalhos apresentados no Seminário?
Eles abordam grande diversidade de temas, relacionados a linhas de pesquisa que são as mesmas desde a primeira edição do evento, em 1982. Temos cursos de mestrado e doutorado em Economia e Demografia. A Demografia trabalha com políticas públicas, educação, saúde, demografia histórica e outros, enquanto a economia aborda a história econômica e a economia propriamente dita.

Inicialmente, o Seminário se propôs a debater temas de nossa produção acadêmica. Mas desde sua primeira edição, recebemos trabalhos de outros organismos como a Fundação João Pinheiro. Com o tempo, ele foi se tornando um fórum permanente para discutir assuntos mineiros e assumiu característica transdisciplinar. Em 1982, organizamos uma mesa-redonda inspirada num verso do Drummond: “Minas não há mais?”. Na verdade, a frase original é uma afirmativa. Pusemos a interrogação e chamamos pessoas como Antônio Cândido e Affonso Romano de Sant’Anna para debater.

O seminário homenageia Guimarães Rosa e Sérgio Buarque de Holanda. Qual Brasil emerge da obra desses dois autores?
No caso de Guimarães Rosa, sua obra deixa transparecer um Brasil profundo, ao mesmo tempo universal e particular. Ela põe uma enorme interrogação sobre a nossa identidade, trata de problemas que angustiam toda a humanidade – justiça, verdade e felicidade – mas aqui eles assumem uma cor local. À luz de sua obra, vamos discutir as potencialidades do Brasil – um país que pode ser maior do que é – e os limites históricos decorrentes de uma estrutura social anacrônica, injusta e desigual.

O evento expõe trabalhos sobre temas mais tradicionais na economia, como distribuição de renda, inflação, pobreza...
Sim, eles voltaram à tona. A discussão da pobreza vai ser abordada pela demografia de uma forma específica – perfil da pobreza, quem e onde estão os pobres. A outra discussão é o que gera a pobreza, tema que havia sido abandonado pelos economistas. A pobreza é vista como uma espécie de condenação. Discute-se mais um inventário da pobreza do que as causas dela e as formas de superá-la. Acho que a novidade deste ano é resultado de uma indicação nossa, de focar o problema da pobreza, da desigualdade da renda, do emprego, numa perspectiva mais crítica e analítica. É claro que medir a pobreza é importante e isso os demógrafos e economistas fazem cotidianamente. Mas queremos saber como se supera a pobreza e o que a determina.

Os gargalos que impedem o nosso desenvolvimento ainda são os mesmos?
Os gargalos estruturais continuam aí. Alguém pode dizer que a situação do país melhorou um pouco. É certo, mas não houve mudança estrutural na economia. Se melhorou foi porque a renda da classe média caiu, enquanto a dos pobres subiu um pouquinho. Então, quando se compara o último de uma classe com o último da outra classe, há uma diminuição dessa distância. Mas ela é absolutamente inexpressiva.

Há quem defenda que o mercado dará a solução; basta deixá-lo funcionar. O que isso significa? Significa promover a competição entre as pessoas, a produtividade, a educação. As pessoas vão melhorar suas condições de empregabilidade e de mobilidade social, porque elas estão melhor qualificadas. É claro que a educação é importante, não só porque melhora a qualificação, mas porque também é uma maneira de construir a cidadania. Mas se analisarmos os dados, veremos que o desemprego é maior entre os jovens escolarizados, que têm o segundo grau completo e o terceiro grau incompleto.

Por que isso ocorre?
Os empregos gerados no Brasil estão em um patamar extremamente baixo, em termos de qualificação, ou exigem uma qualificação muito grande. A economia brasileira não cresce e esse é o ponto. Ela precisa crescer acima de 4,5% ao ano para incorporar cerca de 1 milhão de pessoas que atingem idade para entrar no mercado de trabalho. O país cresceu 2,3% ano passado, metade do crescimento mundial, e talvez atinja 3,5% em 2006. O Brasil desaprendeu a crescer e está empobrecendo: há um crescente contingente de pessoas para partilhar uma riqueza que não cresce. Nesse sentido, a educação não é uma panacéia, pois não vai resolver o problema do crescimento. Isso só se faz com investimento.