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Nº 1558 - Ano 33
27.11.2006

O sotaque de Belô

Pesquisa da UFMG investiga peculiaridades do linguajar dos moradores da capital mineira

Manoella Oliveira

uase impossível encontrar alguém que nunca tenha se deparado, em sua caixa de e-mails, com uma mensagem debochada sobre o jeito de falar mineiro. O dialeto, batizado de “mineirês”, não inspira apenas piadas, mas instigou a professora Jânia Martins Ramos, da Faculdade de Letras da UFMG, a investigá-lo numa perspectiva acadêmica.

Arthur Almeida

Desdobramento do projeto nacional Para a história do português brasileiro, que pesquisa os dialetos do país e é coordenado pelo professor Ataliba Castilho, da Universidade de São Paulo (USP), o estudo é uma proposta de conhecimento sobre o dialeto da capital. O objetivo é identificar e descrever especificidades do dialeto belo-horizontino contemporâneo e explicá-las à luz de uma visão sócio-histórica.

“Faremos um trabalho que mostre quais dos mitos existentes a respeito do dialeto mineiro retratam um traço peculiar, e o que é comum a outros dialetos brasileiros. Mas, para fazer isso, é necessário conhecê-lo”, explica a coordenadora.

Desde a década de 90, a professora e seus orientandos estudam o modo de falar dos moradores de Belo Horizonte. A nova etapa do estudo, que contemplará traços morfossintáticos e fonológicos e bases de dados, começa a ser realizada no ano que vem, e se estende até 2008.

A convergência de sotaques em Belo Horizonte, metrópole que atrai pessoas de diferentes regiões de Minas Gerais, estado com a dimensão territorial da França, representa um bom ponto de partida para compreender o que poderia ser chamado de dialeto mineiro. Segundo a professora Jânia Ramos, a capital concentra três tipos de “falares”: um fluminense, um baiano e o dialeto mineiro propriamente, que coincidiria com o sulista.

Histórias
Os traços do dialeto serão apreendidos a partir de mais de 200 entrevistas sócio-linguísticas com belo-horizontinos jovens, de meia idade e mais velhos. As perguntas têm como meta apenas fazer com que o entrevistado descreva situações e conte histórias, espontaneamente, para análise do vernáculo.

Como contraponto ao dialeto da cidade, fundada no final do século 19, os falantes de Ouro Preto também serão analisados, por ser uma cidade mineira do século 18. “A pesquisa é interdisciplinar, envolve sócio-linguística e teoria gramatical, mas também tem caráter histórico. É nosso propósito contemplar a mudança linguística e a história da língua”, conta a coordenadora. Ela explica também que a história social mostra como a linguagem sonda suas raízes. No caso de Minas, a hipótese é a de que regiões que recebem menos imigrantes desenvolvem jeitos de falar diferentes. “O Estado recebeu poucos imigrantes estrangeiros nos últimos cem anos”, pondera.

Padrão
Trabalho comparativo realizado em oito regiões do país pela professora Jânia Martins, no final da década de 90, mostra que o falar mineiro é rejeitado pelos brasileiros. A referência é a linguagem dos apresentadores do Jornal Nacional, considerada como sem sotaque, e que sintetiza a fala do eixo Rio-São Paulo. Os mineiros acreditam que seu dialeto se aproxima deste padrão de fala e não admitem seu sotaque, apesar dos outros falantes brasileiros terem criado até mesmo um dicionário mineirês, que circula pela internet. Nele, é possível encontrar a tradução de várias expressões do país na forma como é pronunciada em Minas Gerais.

A pesquisa mostra que os paraibanos são o povo que mais rejeita a própria fala como padrão, diferentemente do gaúcho, que reconhece a peculiaridade de seu sotaque e considera que ele deveria ser o padrão brasileiro. Já os catarinenses aparecem em segundo lugar no ranking dos habitantes brasileiros que reconhecem seu sotaque.

Projeto: A construção de um dialeto: o “mineirês” belo-horizontino
Coordenação: Jânia Martins Ramos
Financiamento: Fapemig
Valor: R$ 22 mil
Período: 2007-2008