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Nº 1558 - Ano 33
27.11.2006

Entrevista / Francisco Enrique García Ucha

“É preciso massificar o esporte”

Flávio de Almeida*

pesar do bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos, Cuba ainda é o país latino-americano que mais brilha nos Jogos Olimpícos. Em Atenas 2004, os atletas cubanos levaram 27 medalhas para a ilha caribenha, enquanto as outras oito nações latino-americanas – incluindo o Brasil – conquistaram, juntas, apenas uma medalha a mais.

Foca Lisboa

Francisco Ucha: diversificação esportiva

A massificação esportiva nas escolas explica o sucesso cubano nos Jogos Olímpicos, avalia o professor Francisco Enrique García Ucha, vice-diretor de pesquisa do Instituto de Medicina do Esporte em Cuba.

Ucha esteve na UFMG em novembro para participar do IV Fórum Brasil Esporte, promovido pelo Centro de Excelência Esportiva da Universidade, e que discutiu estratégias para a formação e preparação de atletas olímpicos. No intervalo de uma das conferências do seminário, ele concedeu esta entrevista ao BOLETIM, na qual receita a diversificação esportiva como saída para o Brasil transformar-se numa potência olímpica, tarefa, que em sua opinião, é prejudicada pela mobilização excessiva que existe em torno do futebol.

Todos os meninos e meninas que nascem em Cuba são esportistas em potencial?
Sim, se eles assim o desejarem. Existem instituições de bom nível em qualquer parte do país para a prática do esporte. E nas escolas, a educação física é uma disciplina que pode obrigar o aluno a repetir a série se ele não for aprovado. O esporte está presente em todas as escolas, que promovem competições entre si em nível regional, até chegar ao âmbito nacional. Se o garoto se destacar nesse percurso, ele será selecionado em alguma área para seguir praticando o esporte ou é encaminhado para uma escola esportiva. Além das escolas normais, em que a prática esportiva é intensa, temos as escolas esportivas. As de iniciação são voltadas para crianças de seis, sete, oito anos. Em seguida, há as escolas de aperfeiçoamento atlético, voltadas para meninos do ensino médio e, em alguns casos, para os universitários. Nelas, eles praticam um esporte específico.

O bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos não comprometeu esse modelo de formação de atletas?
De fato, vivemos uma situação difícil. As estruturas continuam de pé, mas sobrevivem com mais dificuldades e menos recursos. Mas contamos com um grande trunfo: a criatividade dos nossos profissionais treinadores, psicólogos e médicos.

O senhor acha possível reproduzir esse modelo cubano no Brasil, um país de dimensões continentais?
Não podemos falar em imitação, porque cada país precisa desenvolver seu modelo. O nosso, por exemplo, não é o dos países socialistas, mas um modelo cubano. O Brasil precisa desenvolver um modelo próprio, pois cada país tem seu ambiente social. Isso exige vontade política e decisão de investir massivamente no esporte, atraindo crianças e jovens. Sem isso, não é possível tornar-se uma potência esportiva. Por que o futebol aqui é forte? Porque é praticado em todos os estratos sociais.

O senhor acha que o Brasil precisa diversificar o seu processo de massificação esportiva?
O futebol é um esporte barato, econômico, que se joga com uma bola em qualquer lugar. É mais fácil massificar o futebol. O mesmo não ocorre com tênis, tiro esportivo, canoagem e natação. A natação, por exemplo, é um esporte caro, que requer piscina e equipamentos especiais.

A mobilização em torno do futebol não acaba prejudicando o desenvolvimento de outros esportes?
Claro. Diversificar é muito importante, até mesmo em termos de resultados e medalhas. O futebol dá apenas uma medalha, enquanto outras modalidades, como natação e atletismo, podem render até 15 medalhas.

Que condições o Brasil precisa desenvolver para se tornar uma potência esportiva?
Isso depende do desenvolvimento histórico-esportivo do país e também de um grande consenso nacional. O México, por exemplo, está investindo pesado em programas de participação esportiva. Lá, eles têm olimpíadas nacionais – não sei se elas existem aqui. Também defendo a massificação não só para melhorar o desempenho de um país em grandes competições, mas, sobretudo, porque o esporte tem função social. Ele aumenta a expectativa de vida. Um velho pode ser saudável se ele se dedicar à atividade física desde criança. Quem pratica esporte sistematicamente é mais saudável, feliz e tem menos transtornos psicológicos. Até a predisposição ao suicídio é menor.

Há quem diga que o esporte também contribui para diminuir a violência...
Em vários lugares do mundo, existem trabalhos de esporte comunitário voltados para o controle da violência em zonas marginais. E muitos são, de fato, eficientes, porque ajudam a reduzir a taxa de delitos e de consumo de drogas. Há trabalhos do gênero não só em Cuba, mas também na Espanha, Uruguai e Peru. O esporte socializa, interioriza normas e valores, como respeito e disciplina, e representa uma saída, um antídoto para a violência. Quem pratica esporte é mais tolerante.

O senhor conhece a estrutura que o Brasil está montando, por meio, por exemplo da rede Cenesp, para incrementar a formação de atletas?
Muito pouco, mas penso que falta ao país imprimir maior velocidade e peso aos investimentos na formação esportiva de sua população. Não tenho conhecimento específico dos projetos, mas faço essa análise intuitivamente, baseando-me nos resultados obtidos pelo Brasil nas Olimpíadas e Jogos Pan-Americanos.

A diversidade populacional do Brasil e a própria mistura de raças favorecem a diversificação esportiva?
Sim. Até porque alguns estratos da população têm predileção por determinados esportes, enquanto outros grupos sociais preferem outros. Isso é um fator que também possibilita a massificação.

(*Colaborou Flávia Camisasca)