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Nº 1562 - Ano 33
22.01.2007

Para salvar a "nossa terra"

Percepção de índigenas sobre a questão ambiental na Amazônia é registrada em livro da Editora UFMG

Manoella Oliveira

les desconhecem a expressão “problemas ambientais”, embora seja esse o tema de sua proposta de pesquisa. Maior etnia da Amazônia, com 35 mil índios, os ticunas perceberam que os animais de pêlo, pena e bico, assim como os peixes e a madeira, já não são tão numerosos na várzea do Alto Solimões, fronteira com Peru e Colômbia. Preocupados com a escassez da “nossa terra” – como chamam o meio ambiente –, eles foram a campo com gravadores e câmeras fotográficas para documentar a questão ecológica e recorreram até a Lei de Educação Ambiental para lutar pela preservação da natureza junto aos moradores do local.

O resultado do trabalho está registrado no livro Ngiã nüna tadaugü i torü naãne (Vamos cuidar da nossa terra), da Editora UFMG, organizado pela professora Deborah Lima, do Departamento de Sociologia e Antropologia da Fafich. A obra foi escrita por cinco autores principais, todos ligados à Organização Geral dos Professores Ticunas Bilíngues (OGPTB).

“Os índios observam a escassez, alegam que antigamente não era assim e querem mudar esse quadro. Por isso, os professores foram a cada lugar saber de cada cacique como é a vida nas aldeias e o estado de conservação dos recursos naturais necessários à sobrevivência dos moradores”, explica a organizadora do livro.

A publicação foi feita para as escolas da região do Alto Solimões, mas a proposta é que sirva também para as populações ribeirinhas que habitam a região. “Para uma proposta de educação ambiental ser efetiva, não adianta um índio conservar a natureza no seu território, se as práticas predatórias continuarem nas comunidades ribeirinhas e nas aldeias vizinhas”, afirma Deborah Lima. Por isso, os ticunas documentaram e ouviram representantes, lideranças e moradores, elaboraram cartazes de campanha ambiental sobre plantações, florestas, várzeas e outros temas e apresentaram a eles a regulamentação do poder executivo sobre o meio ambiente, que vem como anexo no livro.

ilustração

Escrita

A obra foi escrita em português porque a língua ticuna está sendo dicionarizada, e falta muito para o processo ser finalizado. As frases e palavras indígenas, que compõem o livro sob a forma de legenda de fotos, títulos e outras formas, não estão normatizadas: são fruto de um certo grau de consenso nas aldeias. “São 35 mil índios espalhados em uma área enorme, cada lugar tem seu sotaque e cada um quer escrever da forma como fala. Formalizar uma escrita envolve um complexo processo social”, diz a coordenadora.

Para a professora, o fato de o livro ter sido escrito em português não desvaloriza a cultura ticuna. A OGPTB foi umas pioneiras na proposta de ensino bilíngue, uma concepção ampliada de trazer os referencias culturais de um povo e tratá-los de modo ideal, no mesmo patamar do aprendizado em português. “O próprio número de indivíduos mostra que os ticunas são uma etnia resistente. O Solimões é uma área de colonização antiga, e os ticunas não perderam suas características. Eles têm segurança para usar o português do jeito deles”, diz.

O estilo de escrita do livro dá razão à professora. Embora em português, sua linguagem é diferente, assim como o modo de apresentar as idéias. Os ticunas não se apropriaram das informações para escrever algo abstrato e genérico, como é comum entre os brancos. “Eles recorrem aos depoimentos das pessoas. Ou seja, não escrevem que em determinada aldeia a degradação funciona de uma forma, mas descrevem essa situação a partir do que foi dito por alguém”, exemplifica.

Livro: Ngiã nüna tadaugü i torü naãne (Vamos cuidar da nossa terra)
Editora: UFMG
Autores: Clóves Mariano Fernandes (Tchaitatücü), Damião Carvalho Neto (Atchigücü), Luciana da Silva (Do´püüna), Nazareno Pereira Cruz (Metchacureicü) e Saturnino Jesuíno Jumbato (Buruecü)
Organizadora: Deborah Lima
Apoio: Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea-ProVárzea/Ibama.
Páginas: 216
Preço: R$ 57