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Nº 1569 - Ano 33
19.3.2007

Humano, demasiado humano

Pesquisadores da UFMG incrementam estudos que usam biomateriais para regenerar tecidos lesionados

Ana Maria Vieira

O

desenvolvimento de biomateriais de última geração contendo células para substituir tecidos humanos lesionados é uma das linhas de pesquisa mais promissoras em curso na UFMG. O trabalho, que envolve professores de diversas unidades acadêmicas, obteve, nos últimos dez anos, pelo menos R$ 800 mil para seu financiamento por parte de órgãos públicos, como CNPq e Fapemig. Para a sociedade, contudo, seu valor pode se tornar inestimável, pois os estudos abrem perspectivas para a disseminação de terapias de menor custo e sofrimento, além da redução da dependência externa na área.

“A fabricação desses produtos é muito limitada no Brasil”, observa Marivalda de Magalhães Pereira, professora do departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais e coordenadora do Núcleo de Desenvolvimento de Biomateriais (NDBio) da UFMG. Ela assinala que um dos objetivos do grupo é produzir e testar materiais bioativos com propriedades diferentes que poderão resultar em aplicações clínicas na medicina regenerativa de órgãos, ossos, músculos, tendões, cartilagens e outros tecidos.

“Na regeneração de cartilagens, o uso de dispositivo flexível e de origem orgânica é mais adequado à modelagem do tecido”, exemplifica a pesquisadora, ao informar que os estudos incluem investigações comparativas destinadas a analisar os materiais que apresentam melhor desempenho em cada situação clínica. Conhecer, ainda, a diversidade desses materiais é fundamental na engenharia de tecidos, pois, em função de sua natureza, eles podem facilitar a adesão e ativação de células à sua superfície, acelerando ou retardando o crescimento dos tecidos.

Regeneração

O uso de biomateriais associados a células é uma técnica bastante conhecida na regeneração de tecidos. O processo pode ocorrer por meio do implante de dispositivos bioativos que induzem o crescimento das células no próprio corpo ou que contêm tecidos desenvolvidos em meio externo. Nos dois casos, a regeneração é conduzida pelo biomaterial, também denominado matriz, que libera íons para ativar a multiplicação das células. O procedimento conta, ainda, com fatores de crescimento e de diferenciação, como hormônios e vitaminas. À medida que o dispositivo é reabsorvido pelo organismo, o tecido se refaz.

De acordo com Marivalda Magalhães, diversos materiais de última geração estão sendo testados na UFMG: matrizes cerâmicas, híbridas de vidro-bioativo e polímero, poliméricas de quitosana, gelatina e condroitina e espumas de poliuretano. Em todas elas, a porosidade é adequada à engenharia de tecido ósseo. “Para que a reconstituição seja bem-sucedida, as células precisam colonizar o material, preenchendo também sua estrutura interna e assumindo a forma tridimensional da estrutura óssea”, explica a professora, acrescentando que o material poroso também tem a vantagem de se degradar mais rapidamente que outros dispositivos, estimulando a regeneração do tecido.

Além do trabalho de caracterizar os biomateriais, o grupo está propondo o uso de células-tronco nas pesquisas. O estudo é feito em parceria com o professor Alfredo Miranda de Goes, do departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB. Único cientista mineiro com projeto aprovado no CNPq para pesquisas com células-tronco, Goes observa que, no cenário internacional, o trabalho é inovador. “Apesar de dominarmos a técnica de cultivo dessas células, é necessário otimizar essa etapa em sua interação com os biomateriais”, esclarece o professor, lembrando que a natureza e o formato do biomaterial podem interferir na proliferação e diferenciação celular. Os estudos estão sendo realizados com células-tronco de adultos retiradas do tecido adiposo por lipoaspiração, procedimento menos invasivo que o método de captura das células na medula óssea, onde se encontram em maior número.
Foca Lisboa
Alfredo e Marivalda
Marivalda Magalhães e Alfredo de Goes: linha de pesquisa promissora

Sem rejeição

As células-tronco têm a propriedade de formar todos os tecidos do organismo. Uma das vantagens de seu uso com biodispositivos é evitar a rejeição, fenômeno comum em implantes de órgãos e tecidos no organismo humano. Nos laboratórios da UFMG, os testes estão sendo realizados visando à sua diferenciação, in vitro, em osteoblastos, as células ósseas. “Se fossem implantadas diretamente no local do corpo lesionado, elas poderiam se diferenciar de modo não controlado, dando origem a vários tipos de células e trazendo prejuízos à saúde”, pontua Alfredo de Goes.
O cultivo in vitro ocorre num biorreator construído pelos próprios pesquisadores. Trata-se de sistema fechado, pelo qual a célula-tronco recebe uma nutrição que estimula sua diferenciação e expansão. A câmara de cultivo do biomaterial é ligada a dois tubos, responsáveis pela alimentação e eliminação das substâncias tóxicas metabolizadas pelas células.

A professora Marivalda aponta os desafios que o grupo tem pela frente. “Precisamos controlar o processo completo de diferenciação, a cultura de células-tronco nos suportes tridimensionais orgânicos e inorgânicos e otimizar e controlar as características estruturais e as propriedades das matrizes, para então iniciar a etapa de estudos pré-clínicos e clínicos”, revela. Os pesquisadores estimam que os produtos resultantes dos estudos deverão chegar ao mercado em dez anos.