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Nº 1581 - Ano 33
10.9.2007

Bom, barato e brasileiro

Consórcio desenvolve tecnologia nacional para diagnóstico rápido de doenças infecciosas

Ana Maria Vieira

Apenas uma gota de sangue é suficiente para que nova tecnologia aplicada a testes diagnósticos detecte, em poucos minutos, uma série de doenças infecciosas, que ainda atingem parcela significativa da população brasileira. O método, conhecido como imunocromatografia, ou teste de migração lateral, vale-se de uma membrana de nitrocelulose no formato de fita. Impregnada em cada trecho com antígenos* específicos, ela reage com o sangue coletado para o exame, indicando ou não a existência de doenças. A leitura do resultado, semelhante à dos testes com fita para gravidez, é feita a olho nu e independe de especialistas.

O procedimento, que substitui com vantagens os imunodiagnósticos convencionais, ainda não é realidade, mas deverá chegar ao mercado a partir de 2010. Nessa data, consórcio formado entre a UFMG, a Universidade Federal de Goiás (UFG) e a empresa paulista Biotecnologia Industrial (BTI) finalizará o desenvolvimento de reativos (ou kits) para testes diagnósticos rápidos de sete doenças, baseados na imunocromatografia.

Dengue, malária, rubéola, turberculose, leptospirose e leishmaniose tegumentar e visceral, doenças consideradas prioritárias pelo Ministério da Saúde, encontram-se nessa primeira relação. A previsão, contudo, é que a tecnologia abra novas perspectivas para o controle de epidemias pelo sistema público de saúde e incremente a competitividade de empresas nacionais na área de kits diagnósticos.

“O diagnóstico in vitro rápido é bastante útil na identificação de doenças entre doadores de sangue, em inquéritos populacionais e na prevenção de transmissão de infecções da gestante para o feto”, exemplifica o professor Alfredo Miranda de Goes, do Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB.

Coordenador-geral dos estudos realizados pelo consórcio, ele ressalta que a praticidade e o baixo custo do método permitirão ao gestor público aplicar o diagnóstico em grupos mais extensos e isolados da população, ainda que não apresentem sintomas das doenças. Pela via tradicional, devido à complexidade e ao valor do procedimento, que inviabilizam a cobertura mais abrangente, o controle de epidemias e endemias é deficiente. “O preço do teste por imunocromatografia ficará em torno de R$10 por determinação. Contudo, uma única fita poderá proporcionar diagnóstico para uma ou diversas doenças”, observa Alfredo Goes. Testes convencionais, conhecidos como Elisa, chegam a custar entre R$30 e R$200, de acordo com as doenças pesquisadas.

A diferença entre o tempo médio necessário para o diagnóstico nos dois métodos também é expressiva. Enquanto a imunocromatografia propicia leitura em dez minutos, o método convencional apresenta resultado em cerca de três horas, com a desvantagem adicional de que esta interpretação ocorre apenas em laboratórios especializados. Conforme observa o pesquisador, a rapidez do diagnóstico também é fator crucial para o controle de doenças infecciosas, pois permite intervenção clínica imediata.

Recombinantes

Além de coordenar o consórcio, caberá à UFMG desenvolver e produzir os reagentes que impregnarão a membrana de nitrocelulose: antígenos recombinantes, extratos antigênicos e anticorpos monoclonais. Esses kits serão utilizados para o diagnóstico in vitro rápido de dengue, malária, rubéola e tuberculose. Para a leptospirose e a leishmaniose tegumentar e visceral, os pesquisadores da UFMG produzirão os ensaios adaptando antígenos disponíveis no mercado.

“Pelo menos 95% dos imunotestes utilizados no Brasil são importados”, informa Goes, ao chamar a atenção para a importância estratégica do desenvolvimento da tecnologia nacional. Dominada por países como Alemanha, Itália e Estados Unidos, a área assiste, atualmente, à transferência das empresas para a China, atraídas pelo menor custo de produção lá praticado.

“O consórcio pretende nacionalizar os produtos propostos na pesquisa e patenteá-los”, contrapõe o professor, ao observar que o mercado de imunodiagnóstico de doenças tropicais ainda oferece lacunas. “Apesar de serem relevantes para o Brasil e a América Latina, os testes não despertam grande interesse em países de economias desenvolvidas e empresas multinacionais”, reforça Tércio Souza Goes, doutorando do departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB, que integra a equipe de pesquisadores do consórcio.

Felipe Zig
Neusa Rodrigues
Os pesquisadores Tércio e Alfredo de Goes, do ICB: diagnóstico para sete doenças infecciosas

Outro aspecto acentuado por Alfredo Goes refere-se a processos de “readaptação” dos testes importados. “Somos um país tropical, e para serem utilizados aqui, é preciso reavaliar condições de umidade, acondicionamento e estocagem previstas originalmente”, diz. Além disso, o brasileiro, acrescenta o professor, é portador de várias parasitoses, o que pode provocar reação cruzada durante os testes. Para o pesquisador da UFMG, esse fator exige que o produto importado sofra nova padronização para o uso. O processo encarece os testes e pode tornar a tecnologia nacional competitiva em termos de preço e qualidade.

A pesquisa coordenada por Alfredo Goes obteve cerca de R$1,4 milhão da Finep, além de R$218 mil da BTI, dentro do edital de inovação em produtos terapêuticos e diagnósticos, lançado em 2006. Pelo menos 60% do valor financiado pela agência serão destinados à UFG para instalação de mini-laboratório industrial para produção dos testes. Os recursos do projeto são gerenciados pela Fundep.

Além dos pesquisadores da UFMG, o consórcio é formado pelas professoras goianas Mariane Martins Stefani – subcoordenadora do projeto – e Celina Maria Martelli e por Samira Bürhre-Sékula, do Instituto Real dos Trópicos de Amsterdã, especialista nessa modalidade de imunodiagnósticos.

* Produtos de microorganismos usados para verificação de anticorpos presentes no sangue do paciente, com finalidade de diagnóstico.

Elisa versus imunocromatografia

Pelo método Elisa, o sangue é extraído e dele obtém-se o soro, fonte de anticorpos específicos. No passo seguinte, o soro é colocado em contato com o antígeno, que se encontra imobilizado na chamada “placa de Elisa”. Após uma hora, o excesso de anticorpos é retirado, deixando apenas aqueles que reagiram com os antígenos. Esse é o imunocomplexo, que precisa tornar visível a reação para processar sua quantificação ou detectar a presença de anticorpos específicos. O método, oneroso, é realizado em centros especializados.

Pelo sistema de migração lateral, a imunocromatografia, não é necessário realizar grande coleta de sangue, tampouco produzir o soro: ele vale-se diretamente do sangue colocado em contato com a membrana de nitrocelulose, impregnada com todos os reagentes necessários para detectar anticorpos específicos. À medida que o sangue se difunde na fita, reage com os antígenos e dá origem ao imunocomplexo, o que permite identificar (ou não) a presença de doenças. O método dispensa equipamentos para visualizar a reação.