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Nº 1581 - Ano 33
10.9.2007

Entrevista

Carlos Nobre

“O aquecimento global é um consenso científico”

Ana Maria Vieira

Arquivo Inpe
Neusa Rodrigues
Nobre: mudanças climáticas

Cdebate em torno do tema do aquecimento global conseguiu um feito raro na história da ciência: angariar o consenso da comunidade acadêmica. É o que avalia uma das maiores autoridades brasileiras no assunto, o pesquisador Carlos Afonso Nobre, pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Nobre esteve na UFMG, no último dia 28, a convite da direção do Icex, para uma palestra sobre mudanças climáticas. À reportagem do BOLETIM, a quem concedeu entrevista dias depois, ele elogiou a qualidade do debate sobre as mudanças climáticas, mas defendeu o seu aprofundamento. “Reduzir as emissões globais é obrigatório, mas como repartir o esforço de redução com eqüidade?”, questiona o professor.

Como avalia o debate público que se faz hoje sobre a questão das mudanças climáticas?
Subiu muito de qualidade. Houve maior convergência entre a posição da maioria dos cientistas, que vêm alertando sobre a seriedade das mudanças climáticas e a percepção da sociedade, porém, sem pânico ou exageros. O debate entrará agora em fase mais crítica, a da ação, pois a ciência já demonstrou que o aquecimento global é real e que as atividades humanas respondem pela maior parte do aumento dessa temperatura nas últimas décadas. Deve haver intenso debate sobre perdedores e vencedores da questão e quais ações adotar. Reduzir as emissões globais é obrigatório, mas como repartir o esforço de redução com eqüidade?

O senhor já recebeu prêmio de gestão pela democratização das informações produzidas sobre clima no setor público. Destacaria alguma particularidade nesse campo?
Quem recebeu o prêmio foi o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), do Inpe, que eu dirigia à época. O Brasil está relativamente atrasado em estudos sobre o clima, suas variações e mudanças recentes no século 20. A principal razão desse atraso diz respeito à relativa indisponibilidade de informações climáticas pretéritas. Em decorrência da falta de estudos sobre essa questão, não conhecemos em profundidade nossas vulnerabilidades às mudanças climáticas.

Que pontos indicaria como frágeis e fortes na produção da pesquisa nacional na área em que atua?
O país desenvolveu uma comunidade de pesquisadores em meteorologia e climatologia de excelente nível internacional, reflexo de investimentos que datam da década de 70. Essa comunidade conseguiu alavancar salto qualitativo e quantitativo com a criação do CPTEC, no início dos anos 90, marcando o começo da moderna meteorologia brasileira. Hoje, suas previsões de tempo e clima sazonal rivalizam com as dos mais avançados centros meteorológicos do mundo. Nossas vulnerabilidades ainda decorrem da concentração da capacidade de pesquisa no Sudeste, de uma rede de observações meteorológicas e climáticas insuficiente para cobrir o extenso território e da indisponibilidade de dados históricos que nos permitam conhecer profundamente o clima do país.

Sua área de estudos trabalha com eventos que comportam grande carga de imprevisibilidade e variáveis. Como avalia a “qualidade” das ferramentas disponíveis para lidar com objetos com tais características?
As flutuações rápidas da atmosfera, que chamamos de tempo, carregam alta dose de imprevisibilidade. Teoricamente, não é possível fazer previsões do estado instantâneo da atmosfera (tempo) com mais de duas semanas de antecedência. As modernas ferramentas utilizadas, como os sistemas observacionais globais a partir de sensores a bordo de satélites e os modelos matemáticos da atmosfera, dos oceanos e das superfícies, têm permitido que as previsões se aproximem desse limite teórico. O mesmo não pode ser dito do estado médio da atmosfera (clima). Em várias partes do mundo, são factíveis previsões de variações na escala de meses e até anos. Para tanto, são necessários modelos matemáticos que representem a atmosfera e os oceanos, pois as lentas flutuações climáticas são primordialmente controladas pelo oceano. As secas do Nordeste podem ser previstas com ajuda desses modelos com até seis meses de antecedência.

Análises discrepantes sobre o aquecimento global decorrem de inconsistências metodológicas da área? Essas ferramentas ainda estão na “idade da pedra”?
Ao contrário, estamos longe da idade da pedra nas avaliações sobre o aquecimento global. Há um consenso, raras vezes visto em ciência, de que o aquecimento global é inequívoco e um quase consenso de que a principal causa é o acúmulo na atmosfera de gases de efeito estufa, cuja emissão é de responsabilidade humana.

As universidades brasileiras estão preparadas para atender às exigências multidisciplinares da área?
A pesquisa do futuro é inevitavelmente multidisciplinar e interdisciplinar. Com a automação dos métodos de investigação, o cientista poderá dedicar-se mais à reflexão e à exploração das interfaces de disciplinas. O crescimento observado no número de programas de pós-graduação e de grupos de pesquisa interdisciplinar em todo o país também ocorre no campo das ciências ambientais, com foco, inclusive, na avaliação de políticas públicas.

O mercado de créditos de carbono pode, indiretamente, estimular o desmatamento de regiões que mantêm florestas originais?
Proteger a floresta em pé, evitando desmatamentos, faz muito mais sentido do que desmatar para depois reflorestar. A convenção climática não considera, para efeito de créditos de carbono, o papel do desmatamento evitado, o que é um ponto falho. Há negociações internacionais para criar mecanismos de compensação financeira a países tropicais que diminuam suas taxas de desmatamento.