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Nº 1587 - Ano 34
23.10.2007

Protetora de neurônios
aranha

Pesquisadora da UFMG estuda aplicação de toxina da aranha armadeira no tratamento da isquemia cerebral

Ricardo Bandeira

Uma toxina presente no veneno da aranha armadeira, uma das mais agressivas da natureza, pode tornar-se, no futuro, matéria-prima de um medicamento único no mundo, capaz de interromper os efeitos da isquemia cerebral. As aplicações da toxina PhTX3 no acidente vascular encefálico (AVE, nova denominação para acidente vascular cerebral) são objeto de estudo da pesquisadora Ana Cristina do Nascimento Pinheiro, do ICB. No mês passado, ela defendeu sua tese de doutorado, que demonstra a eficácia da substância como neuroprotetora. “A toxina já demonstrou capacidade para reduzir a morte de neurônios provocada pela isquemia”, afirma Ana Cristina.

Ana Cristina: toxina com propriedade neuroprotetora
ana
Foca Lisboa

A pesquisadora explica que, nos momentos que se seguem a um acidente vascular, ocorre a morte de neurônios das áreas afetadas, o que pode comprometer funções cerebrais e deixar seqüelas, algumas irreversíveis. Nos experimentos com a toxina extraída do veneno da aranha, Ana Cristina obteve índices de proteção dos neurônios de até 82%, bem superiores aos de outras substâncias descritas na literatura da área, que tiveram resultados de 36% a 46%.

Logo após o AVE, ocorre uma liberação excessiva de glutamato, neurotransmissor que depende de cálcio. A substância retirada do veneno da aranha inibe o influxo de cálcio, reduz a liberação de glutamato e interrompe os efeitos da isquemia.

 

Droga inédita

Os testes foram realizados em cérebros de camundongos, no Laboratório de Neurofarmacologia do ICB. As aplicações em seres humanos dependem de um longo percurso científico e de novas pesquisas. Se os resultados forem satisfatórios, no entanto, o veneno da aranha armadeira pode dar origem a um medicamento sem precedentes. “Não existe, no mundo, droga para reduzir a morte de neurônios no cérebro após o evento isquêmico. O que se faz, atualmente, é terapia trombolítica (contra a trombose), para melhorar o fluxo de sangue, mas ela não é indicada para todos os pacientes”, diz Ana Cristina.

Um remédio desenvolvido a partir do veneno da aranha poderá interromper a isquemia logo após seu diagnóstico, evitando seqüelas e até a morte do paciente. Ana Cristina destaca que a toxina pesquisada tem ação rápida e específica, propriedades fundamentais numa substância que pode vir a ser usada como medicamento.

A importância da pesquisa fica ainda mais evidente diante das estatísticas sobre os acidentes vasculares encefálicos. De acordo com dados do Ministério da Saúde, eles se constituem na principal causa de morte no Brasil. Em 2004, foram registradas 90.930 mortes por acidentes encefálicos, cerca de 10% do total de óbitos com causa definida notificados no período. No mundo, os AVEs são a terceira causa de mortes. Os resultados da tese de Ana Cristina foram publicados na revista especializada Neurochemistry International.

Outras aplicações

A pesquisa de aplicações terapêuticas de produtos vegetais confunde-se com a própria história da medicina. Os registros mais remotos são do século III a.C., quando o filósofo grego Theophrastus descreveu os efeitos do extrato da casca de papoula. Atualmente, é dessa planta que se obtém a morfina, droga usada no tratamento da dor.

Os estudos para a criação de medicamentos a partir de produtos animais, no entanto, ainda estão em fase inicial em todo o mundo. Nesse aspecto, a UFMG ocupa posição de destaque. As diversas toxinas extraídas do veneno da aranha armadeira, por exemplo, são utilizadas em pesquisas com diferentes fins. Além dos testes da ação neuroprotetora da toxina PhTX3, o grupo chefiado pelo professor Marcus Vinícius Gomez, do Departamento de Farmacologia do ICB – do qual faz parte a pesquisadora Ana Cristina do Nascimento Pinheiro –, estuda as aplicações do veneno da armadeira no combate a doenças oftalmológicas e no tratamento da dor. Nos experimentos de laboratório, uma das toxinas presentes no veneno mostrou-se mil vezes mais potente que a morfina.

Outros pesquisadores da Universidade estudam o possível desenvolvimento de drogas para tratar a arritmia cardíaca e a impotência sexual, também a partir do veneno da armadeira. As pesquisas sobre a aranha são desenvolvidas em parceria com a Fundação Ezequiel Dias (Funed), desde 1987.

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A aranha armadeira, que tem o nome científico de Phoneutria nigriventer, é uma das mais venenosas e agressivas. Um ataque dela provoca dor intensa e, em alguns casos, suor e vômito. O veneno pode até levar à morte, se a vítima for criança. Ela ganhou o apelido de armadeira porque, quando se sente ameaçada, se “arma” levantando as patas dianteiras, abrindo o ferrão e eriçando os pêlos. Esse tipo de aranha não faz teia e se abriga sob troncos e cascas de árvores, folhas e pilhas de madeiras, tijolos ou telhas. Pode também se esconder dentro de casa, em roupas, sapatos e cortinas. A aranha armadeira é muito encontrada em Minas Gerais.

Tese: Efeito das neurotoxinas do veneno da aranha Phoneutria nigriventer no processo de isquemia cerebral
Autora: Ana Cristina do Nascimento Pinheiro
Defesa: 13 de setembro, junto ao Programa de Pós-Graduação em Farmacologia Bioquímica Molecular, do ICB
Orientador: Marcus Vinícius Gomez
Co-orientadores: Cristina Guatimosim e André Ricardo Massensini