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Nº 1587 - Ano 34
23.10.2007

Especial como eles

Arquivo pessoal
cadeira
Cadeira projetada pelo professor Pedro Américo: conforto e segurança

Trabalho do Centro de Estudos do Esporte para Portadores de Deficiência amplia autonomia de pessoas com movimentos comprometidos

Ana Maria Vieira

Tetraplégicos movem os braços? A maioria das pessoas responderia negativamente. Contudo, eles podem dirigir carro, digitar em computador, praticar esporte ou movimentar a própria cadeira de rodas, de modo autônomo. É o que demonstra trabalho da equipe de professores e alunos do Centro de Estudos do Esporte para Portadores de Deficiência (Cepode), da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG.

De forma persistente, eles põem em prática técnicas capazes de aumentar a qualidade de vida de pessoas portadoras de deficiências causadas por acidente cardiovascular, traumatismos encefálico e medular ou doenças progressivas, como atrofia muscular e esclerose múltipla. Denominado método de estimulação neuropsicossocial, o conjunto de técnicas atua na melhoria das funções neuromotoras, sociais e afetivas do paciente.

Pelo menos 90 pessoas se beneficiam do tratamento nas dependências do Cepode, laboratório que alia extensão, pesquisa e ensino na área de reabilitação. “Eles permanecem conosco o tempo que desejam”, diz o coordenador do Centro, o professor Pedro Américo de Souza Sobrinho. Responsável pelo desenvolvimento do método, o pesquisador, que atua na área há 30 anos, explica que a decisão de manter os pacientes por períodos mais longos também beneficiou os estudos do grupo. “Aprendemos muito com essas pessoas”, afirma.

“Meu ponto de equilíbrio”

As filmagens em preto e branco de um homem sentado em cadeira de rodas tentando se exercitar não mostram um herói. Captadas em 1987, elas exibem o esforço de Ismael Soares de Oliveira em obter condicionamento físico para voltar a dirigir. Um ano depois, ele alcançou seu objetivo. A conquista teve significado especial na vida desse ex-funcionário da UFMG. Em 1985, ele ficou tetraplégico em decorrência de lesão medular sofrida em acidente automobilístico.

“Quando iniciei o trabalho com Pedro Américo, quis documentá-lo para acompanhar minha evolução”, relata Ismael, cuja condição física era precária. “Considerava tudo difícil e não acreditava que pudesse melhorar”, relata. Foi incentivado pelos colegas de trabalho a procurar a Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Após avaliação profissional, iniciou programa de musculação para fortalecer braços, costas e peitoral.

Hoje, além de ter alcançado sua meta prioritária – voltar a dirigir – adquiriu força e segurança suficientes para realizar pequenas ações do cotidiano, como mover-se da cadeira de rodas para a cama, tomar banho, escovar o cabelo e os dentes e alimentar-se.
Ismael continua freqüentando o Cepode, onde se exercita para manter o tônus muscular e aumentar a resistência física. Considera, no entanto, que os benefícios vão além do bem-estar físico. “Saio cansado, porém satisfeito. Lá encontro meu ponto de equilíbrio”, resume

Cadeia fechada

A perda dos movimentos dos braços na tetraplegia decorre, entre outros fatores, de lesão na estrutura neural que aciona o tríceps. “O tríceps é o extensor do cotovelo, por excelência”, explica Pedro Américo. No entanto, funções de outros grupos musculares que se encontram total ou parcialmente preservadas são estimuladas, e o paciente passa a ter condições de estender e flexionar os braços, tarefas imprescindíveis na vida diária do tetraplégico.

O resultado só é possível devido à interação que esses músculos passam a ter entre eles. “O deltóide, o peitoral menor e o bíceps formam uma cadeia fechada e, nessa interação, exercem a função de extensores do cotovelo”, detalha o professor.

“Os tetraplégicos têm potencial remanescente e precisam saber disso para superar atestados de invalidez e reconquistar uma vida ativa”, defende Pedro Américo. O pesquisador alerta para a importância de o indivíduo receber informação no momento em que se encontra hospitalizado, pois ele pode perder, por desuso, funções neurológicas não comprometidas e que são capazes de proporcionar-lhe certo grau de autonomia motora.

Vida de atleta

Ainda que tenham força para pôr a mão na roda, os tetraplégicos encontram outro obstáculo para conquistar independência: o design das cadeiras de roda, baseado no conceito de sujeito inválido. O problema foi estudado pelo pesquisador, que acabou desenvolvendo um modelo amigável a esse grupo, pois permite-lhe ganhar as ruas por conta própria. “Eu me baseei em cadeira de rodas esportiva, que garante maior mobilidade e interação dos indivíduos com o ambiente”, explica o professor.

Pedro Américo inseriu duas inovações nos modelos existentes, para as quais depositou pedido de patente. As novas cadeiras garantem conforto e segurança aos usuários. “A proposta é que sejam um recurso viável para eles desenvolverem seu potencial afetivo, intelectual, laboral e social”, afirma o professor. Confeccionadas em alumínio aeronáutico e pesando dez quilos a menos que as convencionais, as cadeiras foram testadas por pacientes no Cepode.