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Nº 1597 - Ano 34
18.02.2008

O trote e o lúdico: festejando!*

Tainah Victor Silva Leite**

A chegada à universidade marca, sem dúvida, uma nova etapa na vida de um jovem – ou mesmo daqueles já não tão jovens assim. O nome universidade não é gratuito, representa a entrada em um novo mundo. Ingressar na universidade pode ser considerado um rito de passagem da vida moderna, um dos mais importantes de nossa sociedade. Em outras sociedades, antes de ingressarem definitivamente na vida adulta, os jovens devem passar por um período de isolamento, no qual seu corpo e sua mente são a um só tempo preparados para a nova fase que se inicia.

Não é um período fácil. Dietas especiais, restrições de visitas, provas físicas, exercícios diários para aprender as atividades valorizadas por seu grupo. Um tipo de sacrifício certamente comparável aos meses de estudos dos pré-vestibulandos, às festas perdidas trocadas por noites em claro estudando, ao isolamento em quartos, bibliotecas, salas de aula, à dieta especial à base de livros...

Em sua maior parte, os rituais de iniciação – em diversos cantos do mundo, sociedades africanas, ameríndias, australianas, camponesas – têm seu ápice em uma grande festa que envolve toda a sociedade. Passada esta situação de isolamento e margem, os jovens neófitos são reinseridos na vida social, agora como jovens adultos e não mais adolescentes ou crianças. E isto é motivo de celebração. Ora, o sacrifício a que se submeteram os vestibulandos também deveria ter o mesmo desfecho: uma celebração lúdica, uma verdadeira festa.

O festejar e o lúdico assumem, na verdade, uma dimensão de aprendizado da sociabilidade e apropriação da história por parte desses povos. É através da festa, em suas danças, cantos e encenações, que muitos dos conhecimentos necessários à vida adulta são repassados aos jovens. A diversão para esses grupos tem um papel fundamental na sua vida social; é assunto sério, o meio através do qual eles constroem e reafirmam a sua própria identidade.

Mas toda festa é também potencialmente libertária, momento em que todos são iguais na comemoração e no qual a hierarquia cede lugar ao lúdico. Na própria definição de festa, está a idéia de que ela cumpre um papel de aproximar aqueles que participam de suas celebrações, tornando-os um só "corpo festivo"

Para nós, embora de forma menos explícita, a festa pode ter esse mesmo papel. É um momento no qual as pessoas podem conhecer umas às outras, além de reconhecerem-se a si próprias em seu novo papel. Não é preciso ir muito longe, basta lembrar as famosas festas de 15 anos, momento de confraternização, mas também um rito de passagem em que a menina deixa de ser vista como criança e passa a ser reconhecida como uma jovem aos olhos dos outros e aos seus próprios olhos.

A celebração de um rito de passagem possui fundamentalmente uma dimensão de ensinamento e aprendizado. Afinal, é um universo desconhecido que se descortina frente aos jovens – vestibulandos, neófitos, debutantes, não importa a situação – e eles devem sempre poder contar com os mais velhos nesta hora, sem, no entanto, perder de vista a dimensão festiva e lúdica deste momento.

Mas toda festa é também potencialmente libertária, momento em que todos são iguais na comemoração e no qual a hierarquia cede lugar ao lúdico. Na própria definição de festa, está a idéia de que ela cumpre um papel de aproximar aqueles que participam de suas celebrações, tornando-os um só “corpo festivo”. Numa festa, as diferenças entre veteranos e calouros, jovens e velhos, homens e mulheres podem e devem ser suavizadas. Assim, nas celebrações de recepção ao calouro, todos são parte de uma mesma universidade e unidos por uma série de componentes comuns.

O “divertir-se” é também parte essencial para o prosseguimento da “vida séria” em qualquer sociedade. Toda festa informa também sobre os valores e gostos de um grupo. Uma grande comemoração gera excedentes de energia; a escolha de como e para onde canalizar este excedente é o que confere a identidade de cada grupo, diz sobre aquilo que se é, mas também sobre o que se poderá ser.

Ao agregar pessoas diferentes em um objetivo único de divertir-se, a festa recobre dimensões culturais, políticas e sociais. Ela possui um caráter libertário e transformador, capaz não apenas de informar sobre os valores e regras de um grupo, mas de revisá-los e transformá-los. Na recepção aos calouros, cada aluno tem a oportunidade de apresentar a universidade tal como ela é àqueles que acabam de chegar e, principalmente, a chance de imaginar como ela poderia ser. Isto, sim, seria entender que diversão também é coisa séria.

* Texto publicado no hotsite www.ufmg.br/dae/vem amigo, criado pela Diretoria para Assuntos Estudantis para auxiliar na reflexão sobre o significado da recepção aos calouros
** Graduada em Ciências Sociais pela UFMG em 2007. Ex-integrante do Projeto República. Da mesma autora, o hotsite também publicou o texto Trote e violência

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