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Nº 1607 - Ano 34
25.04.2008

Para não esquecer

Itamar Rigueira Jr.

Paulo Cerqueira
Henry
Henry Katina: memória viva do Holocausto

Aos 77 anos, o judeu húngaro Henry Katina começa uma nova atividade. Era apenas a quarta vez que ele falava para uma platéia como aquela sobre sua história de sobrevivente do Holocausto. Isso explica em parte a emoção que provocou algumas breves interrupções de sua apresentação na Faculdade de Letras da UFMG, no último dia 17 de abril, promovida pelo Núcleo de Estudos Judaicos (NEJ) da UFMG.

A Segunda Guerra Mundial já se aproximava de seu final, em 1944, e Henry tinha 13 anos. Vivia com os pais e os sete irmãos na região da Transilvânia, falava ídiche em casa e teve uma infância de estudos intensivos do hebraico e da Bíblia. A família foi levada e ele passaria cerca de um ano nas mãos de soldados alemães, entre campos de concentração. Perdeu os pais, três irmãos, um cunhado e um sobrinho com duas semanas de vida.

“Fico emocionado porque as atrocidades que sofri provocaram um trauma muito profundo. E não tem praticamente um dia em que não pense naquilo por que passei”, disse Henry Katina, que chegou a Belo Horizonte em 1957, casou-se com dona Beatriz, tem cinco filhos e nove netos. Abaixo, reproduzimos alguns momentos do depoimento e trechos de entrevista ao BOLETIM.

Vagões apinhados

Os judeus da região foram reunidos em guetos e, certo dia, a pretexto de fugir dos soviéticos, os soldados jogaram as pessoas em vagões. Partiram em 19 de maio e chegaram a Auschwitz, na Polônia, três dias depois. Henry e os outros não tinham idéia precisa do que se tratava. “Tínhamos ouvido falar de massacre, mas era difícil de acreditar”, disse.

Auschwitz

O menino vestiu um casaco grande e, quando chegou a sua vez, mentiu: “18 anos”. Mandaram-no seguir para a direita. Sua mãe foi para o outro lado, com o sobrinho de Henry, um bebê com duas semanas de vida, e o irmão de nove anos. “Eu nunca mais os veria”, contou Katina. (do pai, um líder comunitário que se sentira ameaçado por boatos e fugira dias antes da chegada dos alemães, ele sequer teve notícias.)
De onde estava, ele via labaredas que emanavam de um prédio e fogueiras, mas não sabia do que se tratava. “Descobrimos depois que as câmaras de gás não eram suficientes e eles jogavam crianças vivas nas fogueiras". Katina ficou cinco dias em Auschwitz. Suas irmãs continuariam lá por nove meses.

900 calorias

Trabalhou por nove meses numa estação ferroviária, a pão, chá e sopa. O regime era de 900 calorias por dia, no máximo, “para que os prisioneiros morressem aos poucos, de exaustão”.

Esôfago ressecado

Mais tarde, enfrentaria uma marcha de seis dias, sem comida. Passou pela então Tchecoslováquia e chegou à Alemanha. Ficou três dias num vagão e chegou a Bergen-Belsen, o “campo da morte”. Não conseguia comer. “O esôfago estava ressecado depois de tantos dias em jejum”, relatou Katina.

Pão para o dia seguinte

Ele e os dois irmãos ficaram juntos o tempo todo. O mais velho ensinou a guardar parte do pão para o dia seguinte, quando possivelmente não teriam nada para comer.

Uniforme alemão

Quando tudo acabou, os soldados ingleses não tinham roupas em número suficiente para os ex-prisioneiros. “Recebi um uniforme da juventude hitlerista e vesti. Só mais tarde me dei conta disso.” (Henry Katina guarda até hoje o cinto que compunha aquele uniforme.)

Agradável e hospitaleira

Henry Katina chegou ao Brasil depois de passar por Suécia e Canadá. A irmã estava em Belo Horizonte, casada. “Achei a cidade muito agradável e o povo hospitaleiro, fiquei apaixonado”, ele relembrou.

Deus?

Perdemos o sentido de religiosidade, não se falava de Deus. No Ano Novo judaico, encontramos um livro de reza e não nos interessou. Em outro momento, peguei um desses livros e comecei a rezar compulsivamente, agarrando-me à última esperança. Hoje penso que não devíamos ter perdido a fé.

Desconhecimento

“Nos entregamos muito facilmente, teríamos tentado fugir ou nos esconder entre a população de não-judeus. Mas sabíamos pouco, por causa da censura, e mal acreditávamos que estivessem matando homens, mulheres e crianças.”

Negação do Holocausto

“Um autor inglês negou recentemente a existência do Holocausto, e o presidente do Irã também tem questionado a história. Tenho vontade ir para o Irã e dizer: ‘Olha aqui, eu estava lá pessoalmente’

Lições

“Nós, judeus, aprendemos uma coisa amarga: só podemos confiar em nós mesmos. Não podemos depender de outros povos para nos proteger. A única possibilidade de evitar novos problemas é o Estado de Israel, para que nosso povo se defenda das ameaças externas. Se houvesse um estado judeu na época dos cruzadas, não teria acontecido o massacre. Na época da expulsão da Espanha, os judeus poderiam ter encontrado um refúgio. Com Israel tudo mudou.”

Memória

Katina defende a preservação da memória do Holocausto. “O que importa é não esquecer, por isso existem museus e memoriais do Holocausto em várias cidades importantes do mundo”, afirmou.

Pesadelos

Ele contou que, de tempos em tempos, sofre pesadelos, sonha que está fugindo da perseguição dos soldados alemães. “O pior é que muitas vezes estou deitado, à noite, e não consigo dormir, pensando em minha mãe com o bebê na câmara de gás.”

Motivação

“Foi uma grande injustiça cometida contra um povo tão civilizado. Eles não poderiam ter chegado ao ponto de cometer crimes tão abusivos. E sinto que devo gritar ao mundo o que aconteceu. Se deixasse de falar, estaria negando meus pais, as injustiças que foram praticadas contra eles. Em Miami, onde há um magnífico memorial, e no museu de Washington, deixei gravado o nome dos meus pais. É como alguém que ergue uma lápide para os pais mortos.”