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Nº 1614 - Ano 34
16.06.2008

O valor de uma vida preservada

Pesquisa mostra que investimento em ações preventivas compensam com sobras custo gerado por homicídios

Itamar Rigueira Jr.

Quanto custa para a sociedade evitar um homicídio? É uma questão estranha, que ganha ares de despautério quando analisada pelo lado ético. Afinal, sob esse ponto de vista não há outra resposta: simplesmente não tem preço que pague uma vida.

A pergunta, porém, ganha pertinência quando associada à relação custo-benefício de ações preventivas e repressivas que orienta decisões de gestores públicos nas áreas de segurança e desenvolvimento social. Esse é o foco do trabalho de grupo de pesquisadores do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG. Eles avaliaram a relação custo-benefício do Programa Fica Vivo!, criado pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG (Crisp), no Aglomerado Morro das Pedras, em Belo Horizonte, piloto de sua implantação.

“A avaliação de um medicamento baseia-se em experimentos, acompanhamento de populações, métodos de comparação. No caso das políticas sociais, há diferenças, mas é imprescindível que elas também sejam analisadas”, reflete a professora Mônica Viegas Andrade, que junto com João Pedro Azevedo, do Banco Mundial, orientou a pesquisa desenvolvida pela ex-aluna Betânia Totino Peixoto. O trabalho Avaliação Econômica do Programa Fica Vivo! no Morro das Pedras foi selecionado para apresentação no Seminário de Economia Mineira, que o Cedeplar promove em agosto, em Diamantina.

Na análise da efetividade de políticas públicas, a avaliação econômica complementa a de impacto, o resultado da ação. Em sua tese de doutorado, defendida em fevereiro no Cedeplar, Betânia Peixoto, orientada por Mônica Andrade, concentrou-se nesses dois tipos de análise. Para chegar à taxa de efetividade, ela comparou os índices de homicídio no Morro das Pedras com os de comunidades de características similares que não foram beneficiadas pelo programa, antes e depois das ações. Entre 2004 e 2006, o Fica Vivo! conseguiu evitar 22,65 homicídios no Morro das Pedras, em relação ao grupo de comparação.

O passo seguinte foi apurar a relação custo-efetividade do programa. Os pesquisadores partiram de informações sobre despesas realizadas pela Secretaria Estadual de Defesa Social (Seds) e recursos alocados pela Polícia Militar. “Os gastos relativos às ações de proteção social em cada área e às transferências da Seds para as polícias são calculados por rateio, uma vez que os registros contábeis não estão separados por área”, explica Betânia Peixoto. A estimativa do custo de um homicídio evitado variou entre R$ 135,5 mil e R$ 164,7 mil, dependendo do critério utilizado – proporção de jovens em atendimento ou de oficinas, por exemplo.

Economia

Como não dispunham de parâmetro de comparação de resultados – a avaliação foi feita em relação a uma política-padrão de segurança pública, e não em relação a um programa alternativo –, foi preciso encontrar outra forma de análise. “Resolvemos quantificar a economia que a sociedade faz em função dos homicídios que deixam de ocorrer. Para isso, precisávamos estimar os custos que têm origem num homicídio”, explica Mônica Andrade.
Os pesquisadores não encontraram na literatura brasileira cálculos de despesas com processos policial e judicial, internações hospitalares, seguros e outras.

Mas estudos estimam o custo gerado pelos anos de produção perdidos em função de uma morte precoce. Como o valor mais baixo – definido por um grupo de autores para homicídios em Minas Gerais – é de R$ 163 mil, e os anos de produção perdidos representam cerca de 30% do custo total de um homicídio, a conclusão é de que a aplicação do Programa Fica Vivo! vale a pena segundo esse tipo de avaliação de custo-benefício. A taxa de retorno apurada varia de 196% (para cada R$ 1 investido, economia e R$ 2,96) a 260% (economia de R$ 3,60).

“Nosso trabalho precisa ser aprimorado, mas é possível afirmar sua contribuição na aplicação de análise de custo-benefício para as políticas de redução de homicídios no Brasil, especialmente em aglomerados nas grandes áreas metropolitanas”, conclui Mônica Viegas Andrade.

Foca Lisboa
monica
Mônica e Betânia: taxa de retorno do Fica Vivo! varia de 196% a 260%

 

Repressão ao crime e mobilização social

A partir de diagnóstico da criminalidade em Belo Horizonte – que revelou crescimento de 100% no número de homicídios entre 1997 e 2001, aumento da participação dos jovens e concentração dessas ocorrências em vilas e favelas –, o Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG lançou em 2002 o Fica Vivo!, programa voltado para redução do número de homicídios que engloba ações de repressão ao crime e de mobilização social. O projeto foi implementado no Morro das Pedras em parceria com as polícias Militar, Civil e Federal, Ministério Público, Prefeitura, comerciantes, movimentos sociais e comunidade local. E já no primeiro semestre de execução, conseguiu reduzir quase à metade o número dos óbitos de jovens.
Em 2003, o governo de Minas institucionalizou o programa, ampliando-o para dezenas de áreas socialmente vulneráveis da capital e da região metropolitana. Outros estados e municípios têm adotado a metodologia do Fica Vivo!, sob os auspícios das Nações Unidas.