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Nº 1614 - Ano 34
16.06.2008

entrevista

No mesmo barco e sem bote salva-vidas

Glauciene Lara

 

Nas discussões sobre os impactos ecológicos, a História Ambiental se destaca como um dos campos subsidiários na proposição de soluções. “Não podemos reconstruir coisas que já não podem ser reconstruídas. Mas podemos usar de outra maneira recursos antes desprezados”, ensina Guillermo Castro, presidente da Sociedade Latino-Americana e Caribenha de História Ambiental (Solcha), em entrevista ao BOLETIM, concedida no final de maio, por ocasião do IV Simpósio Latino-Americano e Caribenho de Historia Ambiental, realizado na UFMG.

Paulo Cerqueira
guilhermino
Castro: História Ambiental estuda interações de sistemas naturais e sociais

Castro é graduado em Literatura e Lingüística pela Universidad de Oriente, em Cuba, e doutor em Estudos Latino-Americanos pela Faculdade de Filosofia da Universidad Nacional Autônoma do México (Unam). É diretor-associado da área acadêmica na Ciudad del Saber, no Panamá, projeto que busca transformar antiga base militar norte-americana em um centro científico de desenvolvimento tecnológico e cultural. No Centro Internacional para o Desenvolvimento Sustentável da Ciudad del Saber, desenvolve estudos sobre as águas do Rio Chagres, que alimentam o canal do Panamá, a ligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico na América Central.

Por que delimitar um campo de estudos específico como a História Ambiental se existem áreas da Geografia e da Antropologia que já desenvolvem estudos com o mesmo objeto?

A História Ambiental não é uma disciplina formal; é um campo de estudos que se ocupa das interações de sistemas naturais e sociais. O campo se forma a partir da descoberta de que a sociedade está criando problemas à natureza que afetam a vida na Terra. Para o estudo da História Ambiental convergem pesquisadores de distintas especialidades, como ciências sociais, geografia, economia e estudos literários. Há também campos mistos, que investigam aspectos diferentes do mesmo problema, como ecologia política, economia ecológica e ecologia social.

O interesse pela História Ambiental começa, então, pela grande quantidade de modificações que o homem produz no ambiente?

Não exatamente pela quantidade de modificações, porque há modificações boas. A História estuda o passado a partir dos temores que se inserem no futuro. Tememos um mundo contaminado, com pouca biodiversidade, muita pobreza, fome, doenças e instabilidade. Estudamos o passado para entender de que maneira os problemas de hoje são resultado da intervenção de nossa espécie nos ecossistemas de ontem. No Panamá, os mangues eram muito apreciados pelos povos pré-hispânicos. Com a introdução do gado pelos colonizadores europeus, os mangues deixaram de ser úteis. Agora redescobrimos a importância desse ecossistema, mas não sabemos manejá-lo bem. O estudo da arqueologia e das interações das populações primitivas com os mangues nos darão parâmetros para valorizá-los e manejá-los no futuro.

De acordo com o senso comum, os indígenas mantêm uma relação harmoniosa com o meio ambiente enquanto as sociedades industrializadas o destroem. Essa visão é corroborada pela História?

A população humana sempre modifica o meio e simplifica o ecossistema. Os indígenas destruíram ecossistemas muito importantes ao usar fogo para cultivar áreas ocupadas por matas. Quando um grupo indígena se conecta com a possibilidade de acesso ao mercado, intensifica-se a exploração de certos recursos, não porque são indígenas, mas porque são seres humanos.

Quando a História Ambiental começa a ser estudada na América Latina e no Caribe?

O campo de estudos ganha forma nos EUA e na Europa, na década de 1970. São regiões com sistemas universitários mais estruturados, com mais recursos, e que abrigam sociedades com preocupação ambiental prematura. Na América Latina, começamos a estudar História Ambiental na década de 1990, estimulados pela ECO-92, no Rio de Janeiro. Obtivemos progressos rápidos, mas isso não é mérito dos estudiosos. É expressão da sociedade preocupada com os problemas ambientais. Em pouco tempo, alcançamos uma rica compreensão do custo ambiental do desenvolvimento econômico da América Latina. Cuba, por exemplo, perdeu 90% de seus bosques para a plantação de açúcar.

Mas os bosques não vão voltar e o crescimento trazido pelo açúcar também não. O mesmo aconteceu no Brasil, com a Mata Atlântica. Destruímos a natureza em busca de riquezas materiais, até chegarmos ao estágio em que não resta nada para destruir. A menos que revisemos e mudemos nossas formas de relação e transformação da natureza, estamos colocando nossa sobrevivência em perigo e nos aproximando da extinção. Como trata de problemas globais, a História Ambiental permite grande possibilidade de diálogo com colegas de outras regiões do mundo. Estamos todos no mesmo barco e não há bote salva-vidas.

O que fazer para o barco pegar o caminho de volta?

Primeiro, precisamos consertar o barco e impedir que ele afunde. Em segundo lugar, é necessário consertá-lo para que não continue contaminando o mar. E em terceiro, é preciso adotar uma fonte de energia renovável para o barco, como a solar. Não há um passado ao qual podemos regressar. O que podemos é definir qual o futuro para onde gostaríamos de ir. Hoje, uma das árvores mais comuns no Panamá é a mangueira, que não existia no país em 1800. É uma árvore do Sudeste da Ásia, que começou a ser importada em 1860. Ou seja, a natureza que renasce no Panamá certamente será formada por espécies de muitas partes do mundo, e não por aquelas que se extinguiram.