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Nº 1617 - Ano 34
07.07.2008

opiniao

O Galpão e o Festival

Eduardo Moreira*

Acervo Cedecom
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Apresentação do Galpão na edição de 1989, em Belo Horizonte

O Grupo Galpão nasceu na efervescência do final da década de 70, precisamente em 1979, quando os militares e sua repugnante ditadura começam a dar os primeiros sinais de enfraquecimento e a sentir a necessidade de negociar os rumos políticos do país com certos setores sociais. É precisamente nesse período que os fundadores do que viria a ser o Galpão começam uma carreira teatral – quase todos ligados à universidade. É preciso lembrar que naquele momento da vida nacional, um dos únicos baluartes de resistência da liberdade de expressão era a universidade que, mesmo com toda a repressão, ainda conseguia se preservar e criar um ambiente mínimo de discussão e de liberdade, temperos essenciais para o fazer artístico.

Só para que se tenha uma idéia da importância da universidade para a cultura, quase todos os grupos ensaiavam e criavam seus espetáculos em salas cedidas pelos diretórios acadêmicos. Todos os integrantes do que viria a ser o Galpão eram universitários ou tinham vínculos com a universidade. Eu mesmo comecei a encarar mais profissionalmente o teatro quando entrei para o grupo de teatro da Fafich.

Não foi à toa que, em 1982, o Goethe Institut firmou convênio com a
Apatedemg (Associação que, na época, lutava pelo reconhecimento do profissional de teatro) e a UFMG, para trazer dois diretores da companhia Teatro Livre de Munique, da Alemanha. Eles ministraram uma oficina de teatro de rua no Festival de Inverno, que naquele ano acontecia em Diamantina. A experiência foi uma espécie de curso de formação para todos nós que, ainda muito jovens, estávamos começando a carreira.

Depois da oficina, voltamos para Belo Horizonte, onde ensaiamos por três meses a peça A Alma boa de Setsuan, de Bertolt Brecht, que cumpriu temporada de duas semanas no Teatro Francisco Nunes. Terminado o trabalho, os alemães foram embora e ficamos a ver navios. A solução para darmos continuidade ao que tínhamos aprendido era formar um grupo. Nascia ali o Grupo Galpão.

O grupo começou em um Festival de Inverno e continua a manter uma estreita relação com o evento, participando de todas as suas edições, seja apresentando espetáculos, seja fazendo ou ministrando oficinas. O espírito de pesquisa e de busca da diversidade e interdisciplinaridade de linguagens que sempre marcou o Festival de Inverno foi fundamental para forjar essas características, que também são marcas do Galpão até hoje.
É bom lembrar que, se até hoje o intercâmbio de profissionais e áreas artísticas é algo difícil e às vezes intransponível, na época era ainda mais complicado.

O único canal que permitia esses encontros era exatamente o Festival de Inverno da UFMG, que trazia profissionais dos mais qualificados em todas as áreas. Foi aí que trabalhamos com gente como o diretor Ulysses Cruz, que nos ofereceu uma oficina de um mês e de lambuja nos apresentou outro diretor, Gabriel Villela, com quem alguns anos depois faríamos Romeu e Julieta. Ali também fizemos várias oficinas de dança e música, tendo o privilégio de trabalhar com pessoas como Gil Amâncio, Débora Kalmar, Dudude Hermann, Marlene Silva, Edla Lobão e muita gente boa. O espírito do Festival ampliou nossos horizontes, abrindo perspectivas, por exemplo, para os estudos de música e de danças dentro do fazer teatral.

É incrível pensar que o Festival de Inverno da UFMG tenha nascido num período extremamente conturbado para a cultura brasileira, com uma enorme dispersão de grupos e artistas, que estavam simplesmente desmantelados, censurados, perseguidos, calados. Mesmo assim, o Festival conseguiu aglutinar uma porção de gente.

A efervescência do Festival continuou nas décadas de 70 e 80, mas acabou perdendo um pouco do seu fôlego a partir do final dos anos 80. Lamentavelmente, ali começa um esvaziamento progressivo do Festival, com uma crônica falta de verbas e de apoio. O evento só se mantém de pé graças à heróica resistência de um grupo de artistas e professores da Universidade. Já está passando da hora de revertermos esse quadro.
Assim como o Galpão, acho que os principais expoentes da arte e da cultura não só de Minas, mas do Brasil em geral, devem muito ao Festival de Inverno da UFMG. Só nos resta apoiar e pressionar, na medida do possível, para que iniciativas dessa natureza não morram e possam continuar a florescer e dar frutos. Vida longa ao Festival de Inverno da UFMG!

*Ator do Grupo Galpão e ex-aluno do curso de Filosofia da UFMG

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