Busca no site da UFMG

Nº 1617 - Ano 34
07.07.2008

Sob o signo de Janus

Festival inicia novo percurso em Diamantina, indagando sobre seu passado e futuro

Ana Maria Vieira

Sei que nada será como antes, amanhã, era um refrão cantado no país, nos anos 70, e que volta a ser apropriado pelo Festival de Inverno da UFMG, às vésperas de sua abertura em Diamantina. Enquanto armam a ribalta para a 40ª edição dessa Universidade a céu aberto, seus organizadores já refletem sobre novas perspectivas de formação artística proporcionadas pelo evento. Nada surpreendente. Afinal, a inquietude é a sua marca.

Foca Lisboa
Caponali
Campomori: Festival deve incorporar tensões da vida cotidiana

“Tenho grande orgulho do Festival de Inverno e de sua contribuição à cultura do país”, diz o professor e diretor de Ação Cultural, Maurício Campomori. Berço de outros 16 festivais mineiros, entre os quais o Festival Internacional de Teatro (FIT), de Belo Horizonte, o evento, com sua fórmula agregadora da diversidade, acolheu experiências que resultaram no surgimento de importantes núcleos artísticos: Giramundo, Grupo Corpo, Grupo Galpão e Uakti são alguns deles.

“Foi depois de cursar uma oficina de piano ministrada por Eduardo Hazan, no Festival de 1971, que me despertei para a música”, revela Arrigo Barnabé – que mais tarde lideraria a famosa vanguarda paulista –, em depoimento à equipe de jornalismo do evento no ano 2000.

Mesmo após quatro décadas, o Festival, assinala Campomori, continua a abrir oferta generosa de eventos artísticos e de formação, em uma região extremamente carente no estado. “É uma injeção de arte e cultura nas portas do Jequitinhonha. Parece o filme Fitzcarraldo, de Werner Herzog, uma ação marcada pelo delírio, mas que é extremamente importante realizá-la”, avalia.

Para concretizar o trabalho, a UFMG profissionalizou os processos de captação de patrocínio, por meio da Fundep. A edição deste ano está orçada em aproximadamente R$ 900 mil, um dos valores mais baixos entre os eventos similares promovidos em Minas Gerais. A receita proveniente das matrículas em oficinas ficará em torno de R$ 20 mil. “A cobrança tem o objetivo apenas de gerar compromisso de participação do aluno”, explica Campomori.

As atividades oferecidas pelas oficinas abriram 884 vagas em diversas áreas, todas estruturadas em torno do tema da arte essencial. Na comemoração das 40 edições, o eixo virou uma espécie de “achado” capaz de expressar com fidelidade as inquietações e os compromissos da Universidade. “O tema permite abrir uma visão prospectiva e outra retrospectiva, que remetem às origens do Festival e, ao mesmo tempo, são essenciais para o futuro”, explica o diretor da DAC.

Mimetizando Janus, o deus bifronte da mitologia grega, que, com uma de suas faces vislumbra o passado e com a outra, o futuro, o Festival de Inverno da UFMG sinaliza momento de transição, fiel à sua tradição de inovar.

“Acredito que, do ponto de vista conceitual, temos que abrir novas possibilidades artísticas e pedagógicas”, reflete Maurício Campomori. Um desafio que ele admite ser enorme, uma vez que se vive hoje “um processo de esfarelamento das coisas que fazem sentido” e, conseqüentemente, de atitudes éticas referendadas na necessidade de transformação do mundo, essencial para a criação artística.

Imagens do filme 40 Invernos
festival
festival
Festival em Belo Horizonte e Ouro Preto: fase itinerante

 

Desbunde

“O Festival inovou sobretudo quando se guiou por uma proposta ética como espaço de liberdade”, argumenta Campomori, ao analisar as contribuições e características apresentadas pelo evento desde sua criação, em 1967. Dividindo, sem maior rigor, a história do Festival em quatro décadas, ele considera que os primeiros dez anos foram marcados pelo entusiasmo e pela experimentação, pois o evento abriu-se como espaço para a livre expressão, em contraponto à forte repressão política e social da época. “Ao mesmo tempo, ele criou novas fronteiras para a formação”, diz o professor.

O “desbunde” teria sido a marca inconfundível do final dos 70, da qual o evento não escapou. “Ele passou a ser uma tentativa de happening cultural, ganhando significados individuais”, pontua Campomori. Depois da “loucura”, o Festival começa a se procurar e estabelece uma itinerância, passando por Poços de Caldas, Belo Horizonte, São João del-Rei, Diamantina e, novamente, Ouro Preto. “Entre 1987 e 1997, o evento torna-se meio peripatético. Começa a rodar e a fazer prospecções, mas mantém grande qualidade de formação”, diz o coordenador.

Após essa busca, o Festival chega à quarta década. Fixando-se em Diamantina, adota perfil mais conceitual e acadêmico e abandona as dimensões de megaevento. “Ele passa a ser muito mais um evento de formação, sem perder o brilho, pois abre fronteiras", diz o professor. De acordo com ele, essa característica é forjada pelo mercado, que se fechou para uma série de experiências. “O Festival buscou a renovação na discussão conceitual. É louvável que isso tenha acontecido, porém ele deve agora se abrir como espaço de vanguarda, numa perspectiva pedagógica. É necessário incorporar tensões da vida cotidiana, da rua, do participante, e ser menos professoral”, defende Campomori.