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Nº 1623 - Ano 34
29.08.2008

opiniao

Escolas médicas

Edward Tonelli*

O ensino superior no Brasil teve início com a chegada da Família Real, quando D. João VI autorizou a criação, através de cartas régias, das duas primeiras escolas de Medicina. A primeira, em Salvador, em 18 de fevereiro de 1808, e a segunda, no Rio de Janeiro, em 5 de novembro do mesmo ano. O ensino superior no Brasil só teve início 257 anos após a criação da primeira universidade na América Espanhola, a de São Marcos, no Peru, em 1551. Em terras brasileiras, a primeira universidade, a Universidade do Brasil, só surgiu 370 anos após a de São Marcos, já na década de 1920, por ocasião da visita do rei da Bélgica, que recebeu o primeiro título honorífico daquela instituição.

É interessante ressaltar que funcionava, desde 1801, no Hospital Real, em Vila Rica (Ouro Preto), mediante autorização por carta régia do príncipe regente, D. João VI, o ensino de Medicina, em nível médio, por meio de aulas públicas de anatomia, cirurgia e obstetrícia.

Até a década de 1950 havia 27 escolas médicas no país e, na década de 90, já eram 103. Atualmente são 175 cursos, dos quais 104 privados e 71 públicos. O Brasil tem mais cursos na área que Estados Unidos e China, que contam, respectivamente, com 122 e 150. É o segundo país do mundo em número de escolas médicas, suplantado somente pela Índia, com 202 escolas. Convém lembrar que a OMS recomenda a relação de um médico para cada 1000 habitantes. No Brasil, em 2004, segundo cadastro nacional de médicos do Conselho Federal de Medicina e censo populacional do IBGE, a relação médico/população era de 1/622. Em alguns estados, a mesma relação apontada pelo estudo é a seguinte: Pernambuco (1/794), Minas Gerais (1/642), São Paulo (1/471) e Rio de Janeiro (1/302).

A situação é ainda pior nas seguintes capitais: Vitória (1/124), Porto Alegre e Campo Grande (1/180), Rio de Janeiro (1/196) e Belo Horizonte (1/237). Já nos países desenvolvidos há mais vigilância em relação à abertura e ao funcionamento de cursos médicos. Exemplo disso é o célebre Relatório Abraham Flexner, que, em meados da década de 1910, recomendou o fechamento de 120 dos 155 cursos médicos então existentes nos Estados Unidos e Canadá.

O Brasil tem mais cursos médicos do que os Estados Unidos e a China, que contam, respectivamente, com 122 e 150 cursos.
É o segundo país do mundo em número de escolas médicas, suplantado somente pela Índia, com 202 cursos médicos

É preocupante o elevado número de cursos médicos em alguns estados. Em Minas Gerais, a nosso ver em situação crítica, dentre as 27 escolas existentes, seis já foram questionadas juridicamente pelas entidades médicas e outras duas estão em fase de investigação. São cursos oferecidos pela iniciativa privada, que juntamente com as instituições federais de ensino superior, fazem parte do sistema nacional de ensino superior, portanto sob o controle do MEC. Contudo, cinco desses cursos foram criados por autorização do Conselho Estadual de Educação (CEE), com base em brechas abertas pela Constituição mineira de 1989, felizmente já sanadas.

Segundo o Jornal do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, em sua edição de março-abril/2008, quatro cursos privados foram aprovados, totalizando 500 vagas. Um número, em nossa opinião, elevado: UTI-Itauna (100 vagas); Unipac-Juiz de Fora (120); Unipac-Araguari (120) e Unifenas-Belo Horizonte (160). O próprio Ministério da Educação vem autorizando o funcionamento de escolas médicas em várias cidades, sem a correspondente demanda social. São os casos de Juiz de Fora (Suprema-2004) e Paracatu (Unipam-2006), ambos com 100 vagas no vestibular, o que não é razoável.

No último mês de abril, o MEC definiu novo instrumento para abertura de cursos de Medicina e, dentre as exigências, podemos mencionar: “ser criados por instituições nas quais haja articulação com a oferta de outros cursos já existentes e bem avaliados na área de saúde; infra-estrutura mínima para os três primeiros anos do curso, incluindo laboratórios e biblioteca; integração ao SUS; disponibilidade de hospital de ensino próprio ou conveniado por pelo menos 10 anos, situado na mesma localidade e que possua programa de residência médica credenciado pela Comissão Nacional de Residência Médica; núcleo docente estruturante, composto de professores com dedicação preferencial ao curso e com alta titulação e experiência na área específica.

Nos últimos anos, o MEC, por meio do Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes (Enade), vem avaliando os estudantes com questões de múltipla escolha e discursivas. No final de abril deste ano, o MEC divulgou o resultado da avaliação de 103 cursos médicos. Dezessete faculdades obtiveram notas baixas (1 e 2), sendo 13 privadas e quatro federais (Amazonas, Pará, Alagoas e Bahia), que serão supervisionadas por comissão do Ministério.

Este quadro é de responsabilidade do próprio MEC, que vem privilegiando a educação superior privada. Em alguns cursos, a mensalidade oscila entre R$ 3.500,00 e R$ 3.996,00, sendo a mensalidade média de R$ 2.600,00. Não podemos esquecer que o ensino da Medicina, ou seja, da ciência/arte de Hipócrates, deve basear-se em quatro princípios: ouvir, ler, ver e fazer. Em muitas escolas, infelizmente, o ver e o fazer ficam prejudicados pela falta das condições exigidas pelo MEC. Oxalá que as novas medidas venham melhorar o dramático panorama atual. A sociedade brasileira não pode continuar vítima desta situação.

* Professor emérito e titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina e presidente da Academia Brasileira de Pediatria (ABC)

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