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Nº 1623 - Ano 34
29.08.2008

O efeito China

Estudo prospecta influência do crescimento chinês na economia mineira

Ana Maria Vieira

Foca Lisboa
gilberto
Libânio: vantagem mineira é frágil a longo prazo

Das jazidas do estado, o minério de ferro realiza longo percurso mundo afora, mas rapidamente parte dele retorna sob a forma de trilhos destinados a prover as ferrovias brasileiras. A prática comercial, que parece anacrônica ao reinaugurar a troca de commodity por manufatura para subsidiar o desenvolvimento regional, na realidade ilustra um novo capítulo da história nacional – e mineira – , em que contracena com um ator inesperado: a China.

“A expressiva demanda da China por commodities tem provocado substancial elevação de seus preços no mercado internacional e beneficiado países exportadores de produtos primários”, relata o professor Gilberto Libânio, da Face, em estudo sobre os reflexos do crescimento chinês na economia mineira. Versão preliminar da pesquisa foi apresentada no XIII Seminário sobre Economia Mineira, realizado na semana passada em Diamantina.

Fruto do denominado "efeito China", o fenômeno das commodities tem induzido o crescimento do PIB mineiro. O fato é alavancado ainda pelo caráter primário-exportador da economia local, em que se destacam a indústria extrativa mineral e a produção agrícola. “Em 2007, 40% das exportações de Minas Gerais corresponderam a apenas duas commodities: minério de ferro e café”, pontua o professor. Essa especialização tem estabelecido, segundo avaliação de Libânio, alto grau de complementaridade em relação às demandas do crescimento industrial chinês e ao consumo de seu mercado interno. Por esse motivo, Minas encontra perspectivas favoráveis de expansão de suas exportações no mercado internacional.

Para subsidiar as discussões sobre o tema, Gilberto Libânio analisou informações da pauta de exportações do estado e do Brasil, confrontando-as com a evolução da participação chinesa no comércio internacional. Por meio desses dados, sabe-se que, desde 2007, a China é o maior destino das vendas de produtos mineiros – 15% do total. “O minério de ferro responde por 80% das nossas exportações para a China”, escreve o pesquisador.

Segundo ele, as transações evoluíram de modo significativo entre 2001 e 2007. No período, o comércio de Minas com a China cresceu seis vezes. O fato, registra Libânio, reflete o ingresso da China na Organização Mundial do Comércio (OMC) e a conseqüente internacionalização de sua economia. A evolução do PIB do setor extrativo mineral do estado durante o mesmo período dá força ao argumento da positividade do crescimento chinês para os mineiros.

Tigre pesado

Detentora de índices econômicos e demográficos nada modestos, a China potencializa sua presença no comércio mundial por meio de taxas elevadas de crescimento, associadas ao porte de seu mercado interno.
Como registra Gilberto Libânio, o país, que conta com 1,3 bilhão de habitantes, é hoje a quarta economia mundial, com PIB de US$ 3 trilhões. A China alcançou, ainda, o terceiro posto no volume do comércio internacional, movida a taxas médias de crescimento econômico de 10% ao ano, obtidas desde o final da década de 1970. O desempenho da indústria é ainda superior, tendo aumentado 18 vezes entre 1978 e 2006. Como observa o professor, a magnitude e o ineditismo dessas características "fazem com que o crescimento chinês tenha implicações e impactos globais bastante distintos de outras experiências bem-sucedidas”. É o caso dos tigres asiáticos, que criaram fenômenos de relevo, mas de escala diferenciada.

Para Gilberto Libânio, tais implicações decorrentes do modelo chinês vão além, no entanto, do aumento do valor das commodities. A crescente produção de manufaturas da China promoveu queda em seus preços e o acirramento da disputa por mercados entre países concorrentes. A competição pautada pelos preços baixos, afirma o pesquisador, gerou “uma dinâmica de troca desfavorável a países cuja pauta de exportações seja concentrada na manufatura”.

Em seu artigo, Libânio utiliza índice que, variando de zero a um, mede o grau de afinidade e concorrência em exportações entre a China e outros países. O coeficiente próximo a zero é sinônimo de baixo grau de competição. O Brasil, nesse aspecto, encontra-se em posição intermediária, com 0,30 de coeficiente.

“O país poderia ser incluído no grupo de países cuja competição com a China não é tão alta, mas ainda assim é preocupante”, escreve. Mesmo tendo sua economia incrementada nos últimos anos pelos setores agropecuário e extrativo mineral, o Brasil concorre com a China nos mercados interno e externo para suas manufaturas – especialmente têxteis, vestuário, calçados, equipamentos hospitalares e de precisão, mobiliário, madeira e couro. Libânio observa, por outro lado, que alguns desses setores não têm relevância na economia mineira.

Mas tal vantagem imediata proporcionada pela complementaridade da pauta mineira em relação à China apresenta fragilidades a longo prazo. “A atual estratégia de desenvolvimento aprofunda o caráter primário-exportador de nossa economia, o que pode significar taxas de crescimento pouco satisfatórias a longo prazo e agravar os problemas decorrentes desse padrão de especialização, como danos ambientais, instabilidade da economia frente à flutuação das commodities e baixa geração de postos de trabalho”, avalia Libânio.