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Nº 1623 - Ano 34
29.08.2008

Névoa e mistério

Bianca Aun
nevoa

Segundo longa de Rafael Conde resgata clima de decadência e religiosidade das fazendas mineiras na passagem para o século 20

Itamar Rigueira Jr.

A atmosfera de mistério que cerca as fazendas do interior mineiro é a marca da adaptação para o cinema feita pelo cineasta Rafael Conde, professor da Escola de Belas-Artes da UFMG, do primeiro livro de Cornélio Penna (1896-1958), escritor nascido no Rio de Janeiro e que viveu sua infância em Itabira. Fronteira, que herdou o título do romance, é o segundo longa-metragem de Conde e incorpora, como seus outros trabalhos, projeto de pesquisa do Departamento de Fotografia, Teatro e Cinema.

Instigado pelas histórias sobre o interesse de diretores como Glauber Rocha na adaptação da obra de Cornélio Penna, Rafael Conde leu A menina morta (1954) – o último romance e considerado a obra-prima do autor – e os outros três livros de Penna. Acabou encontrando em Fronteira um texto “cinematográfico”, muito descritivo e extremamente propício, segundo o cineasta, a “uma dramaturgia densa, de personagens impregnados de mistérios e subjetividade”.

Ainda segundo Conde, Cornélio Penna aborda a religiosidade e a repressão, a oposição entre opulência e pobreza que marcam a formação mineira e brasileira. “O resultado da adaptação é um filme de mistério, fora da tradição nacional de narrar”, define o diretor de curtas e médias-metragens que conquistaram prêmios no Brasil e no exterior.

Fronteira representa uma experiência diferente na carreira de Rafael Conde: é o seu primeiro filme de época e mereceu pesquisa minuciosa e direção de arte elaborada. A equipe de produção foi apresentada ao universo de Cornélio Penna pelo professor Wander Melo Miranda, diretor da Editora UFMG. Para Miranda, a obra de Penna encontra sua síntese em idéias como “impossibilidade de comunicação, mundo em ruínas, erotismo recalcado e religiosidade perversa”.

Paixão e fé

A jovem Maria Santa (Débora Gomez), tida como milagreira, tem sua vida perturbada pela intensa paixão por um viajante (Alexandre Cioletti) e pela chegada de Tia Emiliana (Berta Zemel), interessada em administrar sua fama. A história corre segundo a lógica descontínua dos sonhos, deixa segredos intocados e não define limites entre realidade e imaginação, sanidade e loucura.

O clima de mistério foi favorecido pela névoa que constantemente cobre a cidade de Conselheiro Lafaiete, onde foi feita a maior parte das filmagens. A equipe passou cinco semanas num casarão de 40 cômodos, na Fazenda Água Limpa. Ouro Preto, Ouro Branco e Catas Altas cederam paisagens para o filme de Rafael Conde, mestre em Cinema pela Universidade de São Paulo.

Rafael se diz “satisfeito com o resultado” do trabalho, afirmando que nunca realizou um filme com tantos recursos – ele recebeu prêmios do governo de Minas Gerais e do Ministério da Cultura. O diretor e roteirista contou com a parceria de professores de outras áreas, como Ernani Maletta (preparação vocal e trilha sonora original) e de alunos envolvidos no projeto de pesquisa em processo de produção. De acordo com o professor da EBA, esse esquema tem funcionado muito bem, e diversos ex-alunos estão inseridos no mercado.

A pesquisa de linguagem é um elo que une Fronteira ao longa de estréia do diretor, a comédia metalingüística Samba-canção, de 2002, sobre as desventuras de um cineasta que tenta produzir seu primeiro filme. Ex-coordenador do Cineclube Face, espaço tradicional da faculdade onde se formou economista nos anos 80 – para jamais exercer a profissão –, Rafael Conde escreve novos roteiros e se prepara para mais um périplo por festivais, dentro e fora do Brasil, antes do lançamento de Fronteira em circuito nacional, previsto para o final do ano.