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Nº 1635 - Ano 35
24.11.2008

Para aliviar a dor

Veneno de abelha é base de medicamento pesquisado pela UFMG e Funed para combater artrite reumatóide

Colméias
Colméias de onde é extraído o veneno utilizado nos estudos

Paula Lanza

Pessoas que sofrem de artrite reumatóide, doença crônica caracterizada pela inflamação articular persistente, poderão contar em breve com um novo aliado para amenizar suas dores. A UFMG e a Fundação Ezequiel Dias (Funed) estão desenvolvendo medicamento de uso externo com propriedades analgésicas e antiinflamatórias, a partir de uma fonte natural: o veneno de abelha. O produto pode aliviar a dor e reduzir o processo inflamatório das articulações dos punhos, mãos e pernas, regiões mais sensíveis aos efeitos da artrite reumatóide, que afeta adultos e crianças. A doença pode causar limitação de movimentos e deformidades.

Na UFMG, os estudos, iniciados há quatro anos, são coordenados pelo professor Márcio de Matos Coelho, do Departamento de Produtos Farmacêuticos da Faculdade de Farmácia da UFMG. “As pesquisas in vitro e in vivo, estas com camundongos, conduzidas até o momento demonstram que o veneno e alguns de seus componentes inibem a produção de substâncias que contribuem para o desenvolvimento dos sinais e sintomas tradicionais da resposta inflamatória”, explica o professor, lembrando também que o veneno favorece a produção de substâncias endógenas com atividade antiinflamatória e ativa circuitos no sistema nervoso central capazes de induzir a analgesia. A previsão é de que o medicamento esteja pronto para estudos clínicos em meados de 2009.

Coleta e purificação

A síntese do medicamento envolve várias etapas, como coleta no campo, fracionamento em laboratório por peso molecular, purificação e classificação da apitoxina, substância presente no veneno da espécie Apis mellifera. “O veneno é retirado na entrada da colméia por meio de placas ligadas a uma corrente elétrica. Quando volta à colméia e entra em contato com os fios da placa, a abelha toma um choque e libera o veneno em uma placa de vidro acoplada ao sistema”, explica a bióloga Esther Margarida Ferreira Bastos, da Funed. No laboratório é feita a purificação, processo que remove a fração da substância que pode causar alergia, guardando o restante para a continuidade dos testes. O objetivo dos experimentos é verificar se o veneno total é necessário para a atividade desejada ou se ela pode ser obtida com um ou mais componentes.

Entre as cerca de 30 substâncias presentes no veneno, o peptídeo melitina é o que tem maior potencial para o tratamento, pois além de apresentar propriedades analgésicas e antiinflamatórias, é encontrado em maior quantidade no veneno seco – assim denominado após a retirada de água –, em proporção que varia de 45% a 50%. Sob a orientação do professor Márcio Coelho, as propriedades da melitina foram investigadas pelo pesquisador Leonardo Albuquerque, e as principais conclusões do estudo apresentadas em dissertação de mestrado defendida no final de 2007.

Depois da etapa de purificação, realizada pelos pesquisadores da Funed, as frações do veneno são enviadas ao professor Márcio Coelho, para a realização de ensaios biológicos, como estudos biofarmacêuticos in vitro e testes in vivo. Até o momento, já foram realizados diversos testes com camundongos, usando tanto o veneno total quanto os seus componentes, em vários locais de inflamação. Para a elaboração do medicamento, serão realizadas análises para determinar qual a melhor forma de apresentação do produto – pomada, gel ou loção.

Vantagens

Os medicamentos que aliviam a dor da artrite são administrados via oral ou são injetados, sendo que muitos causam reações adversas. A versão tópica (para uso externo), informa o professor Márcio Coelho, é mais simples, não tem efeitos colaterais e requer menos investimentos na comparação com os medicamentos de via sistêmica.

Segundo o professor Márcio Coelho, o veneno da abelha Apis mellifera foi escolhido para investigação devido à existência de muitos relatos do seu uso com objetivos terapêuticos desde a Antiguidade. Tanto Hipócrates (460-377 a.C.) quanto Galeno (130-200 d.C.) já faziam referência às propriedades terapêuticas da substância. Outros registros dão conta de que Carlos Magno teria sido curado de gota ao ser picado por abelhas por volta do ano 800 d.C. A Apis mellifera adapta-se bem às diferentes regiões do território brasileiro. Seu habitat inclui regiões de cerrado, florestas tropicais, regiões mais áridas, áreas litorâneas e montanhosas.

Pesquisa: Desenvolvimento farmacêutico de bioproduto para o tratamento de artrite reumatóide
Equipe: Márcio de Matos Coelho, da Faculdade de Farmácia da UFMG, Esther Margarida Ferreira Bastos e Luiz Guilherme Dias Heneine, da Fundação Ezequiel Dias (Funed)
Recursos: R$ 300 mil
Financiadores: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), Ministério da Saúde e Secretária de Estado de Saúde de Minas Gerais, via Programa de Pesquisa para o Sistema Único de Saúde (PPSUS)