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Nº 1659 - Ano 35
29.6.2009

opiniao

Essa gente não dá conta de fritar ovo!

Elton Antunes*

Confesso: a discussão sobre obrigatoriedade do diploma para o exercício da atividade profissional de jornalista me dá muita preguiça. O comentário é nada acadêmico, mas expressa bem meu sentimento toda vez que o assunto volta com alarde à discussão. É que por conta da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de pôr fim à tal exigência legal, destaca-se um caldeirão de sandices de supostas “elites intelectuais” – incluindo jornalistas –, cujo cheiro tudo infesta. A começar pela pergunta que não suporto mais NÃO responder: a favor ou contra? A exigência de formação superior específica não é porto de chegada, foi em certo momento da história um dos importantes caminhos de partida. Não andou muito. Nem entre a comunidade profissional nem nas universidades e menos ainda no debate social. E por conta desse percurso errático, titubeante, temos que nos haver novamente com os argumentos dos que justificam os votos dos oito ministros da Suprema Corte.

“O mercado vai selecionar os melhores” (como se esse ser supremo fosse ‘a’ medida da boa qualidade das práticas). “O jornalismo não mata” (às vezes só esfola a sua existência pública). “A escola não ensina” (justificativa que curiosamente não vale para todas as áreas profissionais). “A exigência do diploma vem fazendo a qualidade do jornalismo cair (bons tempos eram os dos bacharéis em direito fazendo seu biquinho ou qualquer oportunista descolando o registro para uma carteirada). “Fim do diploma garante a liberdade de expressão” (afinal, jornalista é aquele que apenas diz o que os outros falam). “A rigor, não tem nenhuma especialidade: basta ética e honestidade” (é questão de caráter, problema de berço). “E os grandes nomes da imprensa não têm diploma” (só talento e curiosidade, o que cada indivíduo resolve por si só).

Minha preguiça decorre do fato de que todos arrotam suas opiniões como se fossem verdades universais, baseadas em aspectos sempre circunstanciais e imediatistas. Estão muito longe da possibilidade de olhar para os problemas e desafios que afligem o jornalismo considerando aspectos como: 1) a evolução histórica e as formas de organização da profissão e as maneiras de regulação da prática profissional; 2) a relação necessária e conflituosa com os outros campos do conhecimento; 3) as características dessa prática e a maneira como afeta a organização da vida social; 4) a dimensão do processo de formação profissional, da aprendizagem de uma prática que envolve relação com saberes, o domínio de certas atividades e a apreensão de condutas relacionadas a regras e princípios.

Sim, é preciso discutir qual a “identidade do jornalismo clássico como mediação discursiva e como funcionalidade específica de um grupo profissional”, como diz o professor e jornalista Muniz Sodré. De onde partir? Processar informação jornalística é uma dimensão da nossa experiência social, é “solo da sociedade em que vivemos”, uma sociedade que gosta de se afirmar como a “do conhecimento”. Expressão vaga e que às vezes esconde o fato não de que vivemos numa sociedade governada pelos experts ou que produz conhecimento em moto contínuo, mas que nela a “cultura do conhecimento” organiza fortemente a vida cotidiana e a vida profissional. Temos fascínio pelos avanços científico e tecnológico e receio da instabilidade e das incertezas que provocam. O jornalismo? No coração disso tudo.

Afinal, jornalismo não é só um desses campos, como diz o sociólogo britânico Basil Bernstein, “cujos criadores se apropriaram de um espaço para atribuir a si mesmos um nome único, um discurso especializado acompanhado de um campo intelectual próprio de texto, práticas, regras de admissão, exames e licenças para exercer a profissão”. Ele tem, sim, a ver com luta por garantias econômicas e de poder para seus praticantes, mas também com um móbil alicerçado na construção de um direito da sociedade. Temos problemas no profissionalismo que envolve os jornalistas, nos alicerces da ideia de legitimidade e autonomia do trabalho profissional, na afirmação de certo ideário sempre utilizado em benefício próprio, na reserva de mercado e monopólio como garantia econômica. Mas tais questões não apagam, antes obrigam a repensar as condições que fortemente ligam conhecimento, profissionalismo e universidades.

O fazer jornalístico implica investigar e explicitar o tipo de conhecimento exigido, para além das dicas dos quiromantes ou conselheiros de autoajuda, aos borbotões na própria imprensa. Apontar uma verdadeira “reprofissionalização”, em que as qualidades requeridas aos profissionais não são problema de ordem individual e esforço voluntarista. Abandonar o mito do “dom” que orienta as representações acerca dos jornalistas para passar à identificação de capacidades coletivas. Estudos mostram que tem rumo uma discussão fundada na visão do jornalismo não como dotado meramente de lógica operatória técnica e instrumental. Valores, especificidades das operações sociocognitivas e uma reflexividade profissional própria constituem eixos centrais para a discussão.

Daí, não me perguntem sobre o diploma. Perguntem de novo aos “supremos” – no STF e fora dele. Gilmar Mendes, o chefe circunstancial, tem razão: não vale personalizar a decisão de pôr fim à exigência de diploma para exercício do jornalismo. Depois de seu parecer, não apenas sete ministros, mas toda uma gama de “verdades” levantou-se novamente para sustentar a indicação do presidente da mais alta corte. Dizem ter ocorrido sapiência jurídica junto com bom senso e inteligência. Não consigo ver muito mais que certa indigência intelectual.

*Jornalista, professor de jornalismo e coordenador do curso de Comunicação Social da Fafich

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