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Nº 1659 - Ano 35
29.6.2009

Precisa-se de empresa inclusiva

Livro traça diagnóstico da situação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho

Priscila Brito

Cerca de oito milhões de trabalhadores portam algum tipo de deficiência. Pode parecer muito, mas isso representa só metade do total de pessoas com deficiência que estão em idade de trabalhar. A outra metade encontra as portas do emprego fechadas pelo preconceito ou pela falta de adequação das empresas. Os detalhes da situação enfrentada por esses 16 milhões de brasileiros estão mapeados no livro Trabalho e pessoas com deficiência – pesquisas, práticas e instrumentos de diagnóstico, organizado pelo professor da UFMG Antônio Luiz Marques e pela professora da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) Maria Nivalda de Carvalho Freitas.

A obra é uma coletânea de pesquisas sobre a inserção de pessoas com deficiência no mercado, análises de experiências de inclusão em empresas públicas e privadas e apresentação de ferramentas que podem auxiliar as organizações no processo. Contribuíram com o livro pesquisadores e profissionais de recursos humanos de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Santa Catarina, Bahia e Distrito Federal.

O estudo aponta que a principal responsável pela exclusão das pessoas com deficiência das empresas é a falta de informação, mas há outros fatores que se combinam, de acordo com Marques. “Os gestores e profissionais de Recursos Humanos desconhecem as possibilidades de trabalho das pessoas com deficiência e isso gera dificuldade para recrutá-las. Outro problema é a baixa qualificação profissional de parcela significativa dessas pessoas.”

A professora Maria Nivalda acrescenta que mais um entrave é a seletividade que já existe no processo de recrutamento dos portadores de deficiência. “As empresas priorizam a contratação de pessoas com deficiência física parcial em prejuízo dos demais tipos, inclusive cadeirantes. As deficiências visual, mental e múltipla têm sido as menos inseridas nas organizações.”

Muito a aprender

O fato de uma empresa abrigar portadores de deficiência em seu quadro funcional não garante que ela seja inclusiva. Marques alerta que “algumas empresas selecionam essas pessoas tendo por critério a deficiência, isto é, são avaliadas pelo que lhes falta e não por suas possibilidades”. A consequência é a inadequação do cargo às competências do trabalhador. O professor cita como exemplos pessoas surdas que são alocadas em ambientes barulhentos sem que sejam consideradas suas habilidades específicas, ou a criação de setores formados inteiramente por pessoas com deficiência, de forma a segregá-las dos demais empregados.

Por outro lado, o estudo revelou iniciativas bem-sucedidas. Maria Nivalda destaca um programa criado por empresa de São Paulo que oferece qualificação profissional para portadores de deficiência e garante os recursos necessários para sua permanência no emprego, como intérpretes de Libras e adaptações arquitetônicas. “Lá, essas ações são sempre compreendidas como investimento que a empresa faz em pessoas – e nunca como gasto, custo ou despesa”, avalia.

No entendimento da professora da UFSJ, para que mais empresas atinjam o mesmo resultado é necessário mudar a forma de perceber a questão. “Precisamos deslocar nossos olhos da deficiência para a sociedade. A tarefa da sociedade e das organizações é dar igualdade real de oportunidade para as pessoas. Daí para frente, é com elas e com suas diferenças individuais.”

Primeira experiência

Há dois meses, Bruno Pinheiro (foto ao lado), estudante do 6º período de Comunicação Social da UFMG, faz estágio na rádio UFMG Educativa, onde acumula duas funções: é produtor do programa Universo Literário e apresentador do Em Caráter Experimental. Cego, Bruno não teve problemas para se acostumar com o trabalho, já que o rádio sempre foi um de seus principais companheiros: “Eu escuto rádio desde pequeno e vim para a Comunicação sonhando com isso. Estou no lugar certo.”

Quem precisou se adaptar foi a emissora, que nunca tinha recebido um estagiário com deficiência. Nada de cadeiras espalhadas ou telefones fora do lugar. “Ele precisa saber onde as coisas estão para poder trabalhar”, explica o coordenador-executivo da rádio, Elias Santos. Outra medida foi instalar em todos os computadores um software livre que lê telas. Bruno já tem um instalado em seu laptop, inclusive melhor que o adotado pela rádio, mas Elias defende que a opção pelo programa gratuito foi a melhor. “Colocamos o software em todos os computadores para que ele possa trabalhar em qualquer um deles. Se usar só o laptop dele, acaba não se integrando à equipe”, argumenta.

Para Bruno, o ideal seria ter no trabalho o mesmo programa de seu computador pessoal, mas entende a escolha da emissora. “Ele é muito caro. No mais, a rádio faz o possível para me dar condições de trabalhar.” Para Elias, o desafio é necessário. “Seria mais cômodo ter só estagiários que enxergam, mas a experiência é gratificante.”


Livro: Trabalho e pessoas com
deficiência – pesquisas, práticas e instrumentos de diagnóstico
Organizadores: Antônio Luiz Marques e Maria Nivalda de Carvalho Freitas
Editora: Juruá, R$ 64,90