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Nº 1663 - Ano 35
17.8.2009

Perguntas que se recusam a calar

Filosofia reúne intelectuais brasileiros e estrangeiros para refletir sobre o impacto das biociências sobre a condição humana

Ana Maria Vieira

A simbologia do mito de Hefesto – deus coxo grego que representa a técnica – parece ter caducado para o mundo contemporâneo. Capaz de mudar e forjar os objetos, o ferreiro mítico não podia, todavia, modificar o próprio corpo. Uma impossibilidade hoje impensável para a tecnologia, que, no terreno da biociência, tem feito cair barreiras sucessivas. Sob o aspecto mais especulativo, as perspectivas que se abrem, em especial com a genética e a biologia molecular, são tão amplas que imaginar as aplicações das biotecnologias exige, na sequência, perguntar sobre a condição humana. Afinal, os impactos sobre o corpo que elas tendem a produzir modificam a natureza do homem? Parte importante desse debate se abre na UFMG, com a realização do colóquio internacional Biotecnologias e a condição humana, a partir desta segunda-feira, dia 17, até quinta-feira, dia 20, no auditório Sônia Viegas, na Fafich.

“Vamos refletir sobre o desenvolvimento dessas tecnologias e suas diversas implicações antropológicas, sobretudo as de dimensão ética” , diz o professor do Departamento de Filosofia Ivan Domingues, coordenador do evento e do Núcleo de Estudos do Pensamento Contemporâneo da UFMG, responsável pela iniciativa. A programação conta com nomes expressivos da ciência e filosofia brasileira e internacional. As questões abordadas formam leque significativo nesse campo essencialmente interdisciplinar: ética do melhoramento genético, ética e neurociências, vida e morte, promessas e realizações das biociências, autonomia e direito, reengenharia e futuro do homem, além de outras abordagens filosóficas e sociológicas.

Pela dimensão do tratamento que está sendo dado ao tema, o colóquio já se apresenta como uma das raras oportunidades de ampliar o debate laico no país. Permitirá ainda que diferentes correntes de pensamento sobre a bioética estabeleçam interlocução. Exemplo disso é a exposição de Julian Savulescu, da Universidade de Oxford, em interação com os comitês de ética em pesquisa e ética médica da UFMG.

Estudioso da corrente utilitarista, com formação em medicina e filosofia, Savulescu coordena o Centro Uehiro de Ética Prática da Universidade de Oxford e da Colaboração Melbourne-Oxford, em que se dedica ao exame das implicações éticas da clonagem e da pesquisa com células-tronco embrionárias. Sua presença na UFMG decorre de convênio conduzido por Ivan Domingues com Oxford, para incrementar o intercâmbio de pesquisadores das duas instituições. Frequentemente, suas análises – marcadamente laicas e liberais – têm produzido polêmica na comunidade científica. “Queremos abrir espaço de discussão que nos propicie um upgrade para pensar o Brasil e os temas importantes e urgentes do mundo contemporâneo”, contextualiza Domingues.

Além de participar do colóquio, Julian Savulescu abre, também nesta semana, a primeira atividade do semestre do ciclo Sentimentos do Mundo. No dia 20, ao lado do professor de Oxford Roger Crisp – outra referência no debate sobre bioética no Reino Unido –, participa da mesa-redonda Nas fronteiras do humano: a imaginação da técnica. Com entrada aberta ao público, o encontro acontecerá às 11h no auditório da Reitoria, no campus Pampulha. O colóquio conta com a parceria do Ieat. A programação completa está disponível neste endereço.


Leia também a entrevista com Ivan Domingues: "A ciência pede uma ética secular"