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Nº 1663 - Ano 35
17.8.2009

Aberta a ‘caixa de ferramentas’ do Schistosoma

UFMG participa de esforço internacional de sequenciamento genético do parasito

Ana Rita Araújo

O sequenciamento do genoma do parasito Schistosoma mansoni, realizado por equipe internacional de pesquisadores e publicado recentemente em artigo da revista Nature, abre nova fase na busca por tratamentos da esquistossomose, doença que afeta mais de 200 milhões de pessoas, das quais sete milhões no Brasil.

“Agora, outras estratégias poderão ser usadas para abordar o problema”, comenta uma das autoras do trabalho, professora Daniella Bartholomeu, do Departamento de Parasitologia do ICB. “Com o genoma sequenciado, podemos enxergar um pouco melhor a ‘caixa de ferramentas’ que esse organismo possui. Obviamente, estamos muito longe de entender um organismo completo, mas hoje em dia não existe nenhuma outra metodologia para se chegar tão próximo a essa resposta”, acrescenta.
Segundo ela, a conclusão do sequenciamento de um genoma acelera a pesquisa na área e aumenta o número de artigos científicos publicados em todo o mundo, já que os dados são disponibilizados livremente. Contudo, o sequenciamento não garante a realização imediata “do sonho dourado de quem atua nesses projetos, que é a identificação de um alvo de drogas ou de vacinas para aliviar o sofrimento das pessoas doentes”, adverte a professora.

Alvos gênicos

O genoma é constituído pelos genes – que dão origem às proteínas – e por partes que não são codificadoras dessa informação. Uma vez sequenciado todo o genoma de um organismo, como acaba de ocorrer com o Schistosoma mansoni, parte-se para a identificação do seu repertório de genes e das proteínas que eles produzem.

“A quantidade de informação que surge nesses projetos é colossal. Por isso, os grandes institutos que geram as sequências convidam pesquisadores que trabalham com o organismo em questão, em diferentes países, para fazer uma análise mais refinada dos dados”, explica Daniella Bartholomeu, ao informar que sua participação se deu nas etapas de definição de metodologias de sequenciamento e identificação dos genes. Isso ocorreu durante seu pós-doutoramento nos Estados Unidos, sob supervisão do pesquisador Najib El-Sayed, um dos líderes do estudo. Outra pesquisadora da UFMG participou do projeto. Daniela Lacerda, pós-doutoranda do ICB, sob a orientação do professor Fabrício Santos, atuou na parte preliminar da montagem do genoma.

A UFMG trabalha com o sequenciamento dos genes do parasito causador da esquistossomose desde 1993. O pontapé inicial foi dado com a tese de doutorado de Glória Franco, hoje professora do Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB. Ela participa da Rede Genoma de Minas Gerais, que reúne sete instituições de pesquisa sediadas no estado e foi criada com o objetivo de conhecer a biologia molecular do Schistosoma mansoni. Em funcionamento desde 2002, a Rede é fruto de edital da Fapemig e conta com o apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Silenciamento gênico debilita defesa do parasito

A abordagem adotada pela UFMG é a de identificação dos genes do parasito que mais produzem proteínas, informação que o sequenciamento do genoma não fornece. “Independentemente da fase de vida em que o Schistosoma esteja – adulto ou larva – seu genoma é o mesmo. Porém, variam os tipos de genes ativos em determinados momentos. No início das pesquisas, trabalhamos com vermes adultos, verificando quais estavam ativos nessa fase”, esclarece Glória Franco.

Na busca de bons alvos para fármacos, uma das linhas de pesquisa orientadas pela professora tem como foco a expressão gênica, isto é, o conhecimento de como determinados genes são ativados para produzir proteínas. Com a aplicação da técnica de silenciamento gênico, que reduz a quantidade de RNA mensageiro – molécula intermediária entre o DNA e a proteína –, é possível diminuir os níveis de proteínas no organismo e verificar o que a falta delas acarreta ao Schistosoma. O trabalho é realizado pela estudante de doutorado Marina Mourão em colaboração com o pesquisador Timothy Yoshino, da Universidade de Wisconsin, Madison (EUA). “Selecionamos 33 genes-alvos e consideramos mais promissores aqueles envolvidos com os mecanismos de defesa do verme”, informa a professora.

Em uma das etapas do estudo, a equipe silenciou as enzimas antioxidantes do parasito, na fase em que ele atua no caramujo. “Isso debilitou o verme, revelando bons alvos para um fármaco que possa agir nas enzimas do sistema de defesa do Schistosoma contra o seu hospedeiro”.

A descoberta de novos medicamentos é cada vez mais necessária, uma vez que existe apenas um remédio em uso contra a esquistossomose, o praziquantel. “É muito efetivo, e o tratamento é fácil, mas não previne a doença. As pessoas se reinfectam em contato com águas contaminadas. E os vermes, ao longo do tempo, adquirem resistência ao medicamento”, comenta a professora que, em outra linha de estudos, tem procurado entender melhor e interferir na fecundidade da fêmea do Schistosoma mansoni.