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Nº 1663 - Ano 35
17.8.2009

Da esquina para a cidade inteira


Livro publicado pela Editora UFMG estuda relação com o espaço urbano estabelecida pelas canções do Clube da Esquina

Priscila Brito

O Clube da Esquina já carrega no nome uma íntima ligação com o espaço urbano. Afinal, foi do encontro de amigos nas ruas e, em especial, no cruzamento entre as ruas Divinópolis e Paraisópolis, no bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte, que se formou, na década de 60, o grupo de compositores que lançou um dos mais importantes movimentos da música brasileira. Porém, a relação do Clube com a cidade extrapola o seu momento de formação, como mostra o livro Som Imaginário – a reinvenção da cidade nas canções do Clube da Esquina, escrito pelo historiador Bruno Viveiros Martins.

Ao analisar o repertório produzido pelo grupo entre os anos de 1967 e 1981, o historiador mostra como as canções, de maneira recorrente, cantam a cidade como o espaço por excelência da participação cidadã. “O Clube revela uma cidade como lugar da política do cotidiano. É o espaço do encontro, do cidadão crítico e participativo”, esclarece.

De acordo com o historiador, essa postura proposta nas canções dialoga diretamente com o contexto de produção das músicas, marcado pela restrição da liberdade de uso do espaço público imposta pela ditadura militar. “Com a liberdade cerceada pelo governo militar, a cidade perde o caráter da pólis, do lugar onde os cidadãos se reúnem para deliberar sobre a política. O Clube utiliza essa cidade que está perdendo valor histórico para cantar uma cidade ideal, que está por acontecer”, explica Bruno Viveiros. Ele cita como exemplos Irmão de Fé (1967), de Milton Nascimento e Márcio Borges, Pessoas (1972), de Nelson Ângelo e Rio Doce (1981), de Beto Guedes, Tavinho Moura e Ronaldo Bastos.

Mais que reação aos limites impostos pelos governos militares, as canções incentivaram um comportamento que, quando efetivamente realizado pelo cidadão, foi responsável por virar o jogo político – daí a relevância da abordagem feita pelo movimento musical mineiro. Segundo Bruno, a retomada do espaço público, naquele momento, “foi a saída para os problemas políticos do país. Como a abertura política acontece? Quando a sociedade vai para a rua, faz manifestação, passeata, comício pelas diretas”.

Sentido atual

Passados mais de 40 anos do lançamento das primeiras canções do Clube da Esquina, os valores propostos por elas podem ser reinterpretados à luz dos dias de hoje, na opinião de Bruno Viveiros. Ele defende que a sociedade vive sob uma ditadura, só que em outros termos. “Essas letras continuam fazendo sentido porque, se durante o governo militar nós vivíamos uma ditadura política, hoje em dia temos uma ditadura da vida privada sobre o mundo público. Há um crescimento do individualismo que resulta no abandono da cidade”, argumenta.

Para ele, esse abandono é físico e afetivo. No primeiro caso, ele cita como exemplo os condomínios fechados localizados no entorno de Belo Horizonte, que sinalizam que “as pessoas estão se afastando cada vez mais do centro urbano, visto como o lugar do perigo”. A segunda situação ele ilustra com uma observação feita por Márcio Borges no livro Os sonhos não envelhecem: histórias do Clube da Esquina. O compositor afirma que anos atrás as pessoas conheciam os nomes dos edifícios do Centro da capital e se guiavam a partir desse conhecimento. “Hoje em dia, se eu tiver que ir a um lugar, eu vou pegar o nome da rua e o número. Não há mais aquela relação de intimidade e carinho com a cidade”, conclui Bruno Viveiros.

Livro: Som Imaginário – a reinvenção da cidade nas canções do Clube da Esquina
Autor: Bruno Viveiros Martins
Editora: UFMG
Preço: R$ 29
Lançamento: 22 de agosto, das 11h às 14h, Livraria Ouvidor (Savassi)