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Nº 1676 - Ano 36
16.11.2009

opiniao

O movimento dos técnicos de nível superior das Ifes

Filipe Menezes *

“Hoje sou funcionário público e este não é o meu desconsolo maior. Na verdade, eu não estava preparado para o sofrimento”
Murilo Rubião

A epígrafe retirada do conto Ex-mágico da Taberna Minhota, escrito por Murilo Rubião, apresenta um funcionário público que lamenta ter perdido seus poderes mágicos. Tal funcionário está associado a uma lógica antiga do serviço público, segundo a qual pessoas ocupavam cargos não por suas competências e atribuições e era comum associá-las a burocracias e a um serviço de pouca qualidade. Atualmente, o governo tem substituído gradativamente essa lógica pela excelência na qualidade dos serviços oferecidos à população e sua melhoria contínua.

Também, no sistema federal de ensino brasileiro, são novas as propostas, grandes os desafios e não cessaram investimentos maciços nos últimos anos. Os projetos Reuni e Universidade Aberta do Brasil e a expansão da rede de ensino tecnológico têm criado, além de muitas vagas para a formação de pessoas para a sociedade brasileira, postos de trabalho, tanto para servidores docentes quanto para técnicos e administrativos.

Esse segundo grupo de servidores, aqui denominados técnico-administrativos em educação, pertencentes a uma carreira chamada PCCTAE, é formado por um contingente de pouco mais de 100 mil pessoas, muito diversificado, distribuído por todas as escolas e universidades federais. Nós, servidores de nível superior, representamos um terço dessa força de trabalho e estamos presentes em praticamente todas as unidades da UFMG.

Há alguns anos, todos nós, técnico-administrativos em educação, pertencíamos a uma carreira já extinta, chamada PUCRCE, de 1987, que estabelecia piso salarial satisfatório para todos os cargos naquela época, principalmente para os de nível superior. Na década de 1990, o governo federal impôs um arrocho que gerou forte deterioração do salário desse último grupo. Em 2005, após difícil negociação de greve em 2004 entre nossos sindicatos e o governo, iniciou-se a implantação de novo plano de carreira, o PCCTAE, especialmente danoso para os cargos de nível superior, pois criou uma tabela salarial de piso baixo, provocando a adoção de um paliativo compensatório, para evitar que alguns tivessem seus salários diminuídos. Deve-se ressaltar, no entanto, que servidores pertencentes a outras classes do PCCTAE também foram surpreendidos com essa complementação.

Mesmo com a segunda fase da implantação do novo plano, não houve melhorias significativas para os cargos de nível superior. O seu piso salarial, que era de dez salários-mínimos em 1987, caiu para quatro salários-mínimos, em 2006.

Todo esse espetáculo circense da implantação de uma carreira natimorta e prejudicial aos técnicos de nível superior (TNS) se deu, em parte, pela falta de participação desse grupo em momentos de embates políticos dentro de nossos sindicatos e em nossa representação nacional; ficamos, dessa forma, relegados a aceitar o que nos foi colocado, sem poder argumentar. Ao sofrer essas perdas salariais, políticas e de espaço, alguns servidores TNS iniciaram mobilizações em várias universidades, e em julho de 2005, na cidade de Ouro Preto, ocorreu o nosso primeiro Fórum Nacional.

Esse fórum de discussão e os outros que se seguiram têm criado uma formação política e mobilizado os TNS, incentivando a categoria a ocupar o seu espaço e a lutar pelos seus interesses. Em 2007, após mais uma longa greve de todos os técnico-administrativos em educação, obtivemos uma de nossas primeiras vitórias, um aumento diferenciado proposto pelo próprio governo, para diminuir os prejuízos causados pelo PCCTAE.

Nosso movimento tem continuado e está crescendo a cada dia. Atualmente, já temos uma Associação Nacional, fundada em abril deste ano, no VI Fórum Nacional em Fortaleza, que muito tem trabalhado em sua curta história. Além disso, os TNS estão criando suas associações locais em várias universidades. Nosso objetivo histórico é a valorização do capital intelectual e do serviço que os TNS oferecem. Para isso, é necessário um plano de carreira atraente, com salários e benefícios compatíveis com as demais carreiras do serviço público federal, que incentive pessoas com potencial e formação apropriada a ingressar nele e ali permanecer.

Esta semana, nos dias 20 e 21 de novembro (leia mais na página 7), a UFMG sediará mais um fórum nacional da categoria. Devemos nos organizar e discutir como propor novos parâmetros não só salariais, mas benefícios e incentivos próprios de uma carreira sólida e atraente, tanto para os TNS, quanto para todos os participantes do PCCTAE.

Nós, técnicos de nível superior, classe E do PCCTAE, procuramos, diferentemente do funcionário público do Ex-mágico, de Murilo Rubião, nos orgulhar do que fazemos e sabemos que somos parte de instituições que formam toda a nação. Aquele funcionário experimenta uma vida sofrida ao ter escolhido deixar de lado os seus dons especiais para se dedicar a um trabalho rotineiro e vazio – e esse é o motivo de sofrimento. Acreditamos que é possível uma experiência profissional plena para os todos os TNS. É hora de ocuparmos nossos espaços e, junto com os demais componentes das universidades, colegas de outras classes do PCCTAE, docentes e discentes, ajudarmos na construção de universidades de qualidades, democráticas e inclusivas.

* Administrador no Departamento de Desenvolvimento de Recursos Humanos da UFMG, integra a coordenação local dos Técnicos de Nível Superior (TNS)

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