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Nº 1679 - Ano 36
7.12.2009


“Reconhecer direitos abre oportunidades
de desenvolvimento diferenciado”

Um novo paradigma para o desenvolvimento econômico se apoia no exercício dos direitos sociais e respeito ambiental. Em torno dessa tese, o professor da UFMG Eduardo Rios Neto aponta um dos eixos da pesquisa Perspectivas de Investimentos Sociais no Brasil. Coordenador de uma equipe de especialistas que são referências em diversos campos do conhecimento, o pesquisador ficará encarregado de reunir dados e produzir texto-síntese sobre a investigação, que deverá ser lançado sob a forma de livro em maio de 2010. Em entrevista ao BOLETIM, ele falou sobre os desafios do estudo.

Esse estudo servirá como consultoria para o BNDES?

Não. Pode até orientar suas ações, mas o Banco entendeu que era o momento de entrar na área de pesquisas – uma novidade para a instituição –, contratando investigações. O mais importante é o resultado que trará para a sociedade, a quem o Banco oferece o estudo.

Qual a qualidade dos dados sobre investimentos sociais no Brasil?

É fragmentada. Faremos vários cortes analíticos. Mas vamos trabalhar mais na perspectiva de uma análise social, setorial e transversal dessa estrutura e das oportunidades e estrangulamentos existentes.

É possível definir o perfil do investimento social no país?

Sabemos que desde o governo de FHC e no governo Lula – e muito por conta da Constituição – o gasto social no Brasil aumentou bastante. Mas ainda há gargalos e discussões concentradas em questões como universalização versus focalização. A ideia é tentar identificar os gastos com previdência, educação, saúde, seguro-desemprego e a assistência social não-contributiva, como o Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e os Centros de Referência da Assistência Social (Cras). A partir daí, poderemos colocá-los em perspectiva e quantificá-los. Não existe um balanço social contabilizado.

Absolutamente nada?

Integrado, não. Por isso, alguns estudos vão se dedicar a essa busca. Um dos estudos transversais da PIS analisará a relação entre o executivo e o legislativo. Outro investigará a eficiência do gasto público. São peças de um quebra-cabeça que tentaremos colocar dentro de um arcabouço.

É possível dizer que a pesquisa se reporta a noções do Estado do Bem-Estar que chega tardiamente ao país?

Exatamente. Há dois ou três papers transversais que tentarão articular o contexto de Estado de Bem-Estar Social dentro desse projeto. Esse será um dos módulos e eixos centrais. Como são 65 textos, precisamos de uma tipologia analítica para compreender a complexidade social de modo mais integrado.

A questão é proporcionar instrumentos de proteção social ou investimentos para um desenvolvimento humano?

Estamos usando o conceito mais amplo de desenvolvimento humano. A ideia é que haja proteção, cobertura, mas também catalisação para o crescimento, que é uma noção de investimento.

A tradição brasileira, nessa área, revela muitas experiências clientelistas...

Por isso, um dos nossos eixos centrais é o dos direitos. O objetivo é tentar mostrar que nas áreas onde o direito começou a operar – trabalho decente, equidade de gênero e proteção ambiental –, o que muitas vezes surgia como entrave, gerou chances para um desenvolvimento diferente. A proibição do trabalho infantil e o mercado de carbono são exemplos de um paradigma moderno de desenvolvimento. No contexto da gestão do Obama, antevemos um cenário de quatro a oito anos de regulação mundial em torno de direitos. Não adianta chiar. É preferível que as pessoas se adaptem e extraiam daí suas oportunidades.

Além de produzir conhecimento nessa área e estudos direcionados a uma política pública, o trabalho se propõe a rever o estado da arte das políticas sociais no país. Qual o estágio dessa reflexão?

Ela se encontra muito setorizada. Creio que não houve ainda a consolidação de uma tipologia do atual espectro social brasileiro. Os estudos transversais permitirão que tentemos aproximar – não para chegar a uma síntese definitiva – sistemicamente a integração dessas esferas com áreas setoriais, como educação.

A Pnad divulgada em setembro mostrou melhoria em índices como desemprego e renda, mas muito pouco na área social. A educação ficou muito aquém em relação à renda, por exemplo. Não há incongruência aí?

Não se pode ficar restrito à Pnad. Ricardo Paes de Barros, que está indiretamente envolvido no projeto, fez uma apresentação no BNDES sobre a realidade do país sob o ponto de vista das Metas do Milênio. Em uma série de indicadores, o Brasil, na última década, teve performance infinitamente superior a quase todos os países. Isso não significa que a questão esteja resolvida. Na área de educação, há muitos problemas de proficiência, mas sob o ponto de vista quantitativo é impressionante como o Brasil está mudando. Fiz algumas projeções que mostram que, por volta de 2030, grande parte da população terá ensino médio ou superior. Creio que, com a PNAD, o pessoal pegou um retrato histórico e viu a versão negativa. Há uma revolução que não está sendo captada.