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Nº 1683 - Ano 36
22.2.2010


“A pluralidade existe em todas as dimensões”

Ana Maria Vieira

Refletir sobre a escolarização de grupos diferenciados sempre foi uma marca na vida de Ana Gomes. Professora de Antropologia da Faculdade de Educação da UFMG, esse interesse lhe garantiu melhor entendimento sobre os caminhos da aprendizagem tanto entre crianças moradoras de favelas no Brasil quanto entre pequenos ciganos em escolas italianas. Há dez anos, depois que voltou da Itália, a experiência em lidar com a diferença rendeu-lhe um convite para trabalhar com educação indígena. “Meu interesse é entender posições outras, que não as canônicas e dominantes na sociedade”, explica a professora. Em entrevista ao BOLETIM, ela falou sobre o Programa de Acesso e Permanência de Estudantes Indígenas na UFMG, que coordena e que, recentemente, abriu 12 vagas para indígenas em seis cursos regulares da Instituição: Ciências Biológicas, Ciências Sociais, Enfermagem, Medicina, Odontologia e Agronomia.

Como foi delineado o Programa de Acesso e Permanência de Estudantes Indígenas na UFMG?

A primeira aproximação dos povos indígenas com a UFMG foi com a criação de escolas interculturais em Minas Gerais, por meio de um programa em parceria com a Secretaria de Estado da Educação, cuja implantação foi coordenada pelas professoras Márcia Spyer e Lúcia Alvarez, da FaE, e Maria Inês de Almeida, da Fale. Ele previa a formação de professores indígenas, conforme estabeleceu a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), em 1996. De início, a UFMG foi parceira na formação em nível médio, com o curso para magistério indígena. Quando a primeira turma se diplomou, em 1999, recebemos o pedido de continuidade da formação de professores e do acesso à Universidade. Até então, a oferta se destinava aos indígenas de Minas Gerais, como ocorreu também em 2006, com o curso de licenciatura oferecido por meio de programa do MEC – Formação Intercultural de Educadores Indígenas (Fiei). Mais recentemente, com o Reuni, a UFMG criou um curso regular de licenciatura indígena, o Fiei/Reuni, que assumiu perspectiva regional e passou a ser oferecido a comunidades do Espírito Santo, da Bahia e do Rio de Janeiro. Já o programa que abrimos agora oferece vagas em seis cursos já existentes. Ele surgiu como resultado de discussões entre integrantes dos povos indígenas de Minas e a Reitoria da UFMG.

Como a UFMG vai viabilizar financeiramente a permanência desses grupos na Instituição?

Foram firmados dois convênios para sustentar a implantação do programa. Parceria com a Funai prevê a destinação de bolsas de manutenção aos estudantes indígenas, em valor equiparado às da Fump, além de passagem de ida e volta para a terra indígena, nas férias. Outro convênio foi firmado com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), do MEC, para prover recursos para moradia, equipamentos e material didático.

Esse programa é de cota?

Não. O formato é parecido com o Programa Estudante Convênio – Graduação (PEC-G), que recebe estudantes africanos. São vagas a mais, não previstas para o vestibular. E cada curso decide se adere ou não.

Destacaria alguma reivindicação das etnias em relação ao curso?

Inicialmente, seus representantes estavam preocupados com o processo seletivo, com o critério para a distribuição das vagas, por etnia, tendo em vista a diferença demográfica e as oportunidades distintas que tiveram em sua formação escolar.

Como foi o diálogo?

Quando a UFMG se abriu à proposta, um primeiro encontro foi realizado entre o reitor Ronaldo Pena, os pró-reitores e as lideranças indígenas. O objetivo era dialogar, mas a dificuldade era tão grande que se instalou um silêncio curioso e constrangedor. A pergunta posta era muito crua: “o que vocês querem?” Mas para quem esteve tão distante, não é fácil dizer o que deseja de um mundo que não conhece. Foram necessárias muitas mediações para que se pudessem expressar as escolhas diferenciadas em relação a esse tipo de proposta. O histórico do processo está registrado no documento de subsídios elaborado por uma comissão de professores da UFMG e entregue à Reitoria para orientar a criação do programa.

Qual a área de maior interesse dos indígenas?

Aplicamos questionário entre os possíveis candidatos e a área de saúde representou mais de 50% da demanda. Na verdade há, no país, uma oferta e um sistema estruturado na área de saúde para os indígenas e a intenção deles é se apropriarem da gestão e dessas funções em suas comunidades. Eles também manifestaram interesse no campo das ciências sociais, haja vista a participação dos antropólogos na mediação de questões importantes para as comunidades indígenas.

A experiência de relacionamento deles é mais comunitária e agora devem ficar mais dispersos pela UFMG...

O programa criou a ocasião para a estruturação de um setor de etnologia na Universidade, que fará o acompanhamento dos estudantes. Teremos etnólogos da Faculdade de Educação trabalhando em equipe com os professores Ruben Caixeta e Débora Lima, da Fafich. Assim, os estudantes indígenas terão uma referência.

Os professores da UFMG estão preparados para receber esses estudantes?

Temos uma proposta de organizar um ciclo de seminários para a comunidade acadêmica. Tanto os índios como os professores necessitam ser preparados para esse processo. É uma oportunidade de crescimento, de se entender com o outro e de compreender diversidades que a gente normalmente não acata e não percebe.