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Nº 1719 - Ano 37
15.11.2010


Pelo DIREITO de MORAR

Fruto de dissertação de mestrado, livro resgata história da Federação de Trabalhadores Favelados de Belo Horizonte

Fernanda Cristo

 
Manuscrito
 

Formado nas imediações da Central do Brasil, no final do século 19, o Morro da Providência é considerado a primeira favela do Rio de Janeiro. Foi ocupado por combatentes da Guerra de Canudos, que na época lhe deram o nome de Morro da Favela, em alusão à planta homônima do sertão nordestino, símbolo de resistência durante o conflito.

No século 20, o termo favela deixou de ser apenas substantivo próprio e passou a designar qualquer conjunto de habitações considerado irregular. Não por acaso, em 1954, surge em Belo Horizonte a Federação dos Trabalhadores Favelados, na tentativa de representar politicamente vilas e favelas da cidade. O movimento durou até 1964, quando foi desarticulado em função do golpe militar. Sua história, no entanto, está agora registrada no livro O movimento de favelas de Belo Horizonte (1959-1964), do pesquisador Samuel Oliveira.

O trabalho é resultado de dissertação de mestrado defendida em 2008 junto ao Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. Para realizar a pesquisa, Samuel recorreu a jornais da época, incluindo impressos editados pela própria Federação, e entrevistas com alguns poucos remanescentes do movimento. “Meu foco era tentar entender as experiências e práticas dessa Federação no espaço público”, explica.

Ele conta que o movimento teve origem a partir da articulação de nove associações locais existentes em diferentes favelas da cidade. “Em 1948 acontece a fundação da primeira associação, na Vila dos Marmiteiros. Mas o boom do movimento ocorre mesmo entre 1959 e 1964, quando a Federação cresce de nove para 55 entidades”, afirma Samuel.

Em 1962, o movimento organiza o Congresso dos Trabalhadores Favelados. O mote da Federação, segundo o pesquisador, era a defesa do ‘direito de morar’. “O movimento agregava várias uniões de defesa coletiva, como eles chamavam, para tentar construir lideranças e uma intermediação entre a população das favelas e o poder público”, explica. Dois anos depois, conforme lembra o autor do livro, surge uma articulação para desorganizar a Federação e criminalizá-la. As lideranças do movimento são acusadas de comunistas e as práticas de negociação com o Departamento de Habitação Popular da Prefeitura, denunciadas como corruptas. “O (ex-governador) Magalhães Pinto foi um ator ativo do golpe. Por isso, o foco não é a relação dos movimentos com o Estado, e sim com a Prefeitura”, frisa.

Representação do perigo

Para Samuel Oliveira, a Federação dos Trabalhadores Favelados construiu um imaginário político que pôs em questão a cidadania dos moradores de favela: “O movimento reclamava uma série de direitos para esses moradores, sobretudo a regularização da posse da terra”. Ainda que até hoje essa seja a principal reivindicação dos moradores de favela, o pesquisador acredita já ter havido grande avanço nesse aspecto. Ele afirma que, se atualmente a Constituição garante alguns direitos para essa população e os governos encaram as favelas como ocupações legítimas, até a década de 1960, o poder público adotava uma postura predominantemente repressora em relação a esses espaços.

Por outro lado, Samuel lembra que a representação simbólica dos moradores de favela como “classe perigosa” continua. “Mas há uma diferença. Nas décadas de 1930, 1940, as classes perigosas eram a representação do vadio, do malandro. Hoje há outro olhar que liga as favelas ao tráfico e à violência. É algo que impacta de forma diferente a ação do poder público nesse espaço”, analisa.

Atual doutorando da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, o pesquisador pretende agora construir uma história comparada entre os movimentos de favelas de Belo Horizonte e da capital fluminense. “Essa pesquisa me ajudou a tirar algumas conclusões sobre as favelas de BH que não apareciam em outros lugares e me levou a um diálogo com a bibliografia de favelas cariocas”, comenta.

Livro: O movimento de favelas de Belo Horizonte (1959-1964)
Autor: Samuel Oliveira
Editora E-papers
242 páginas
R$ 38 (versão impressa)
R$ 19 (versão eletrônica)
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