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Nº 1725 - Ano 37
07.02.2011


Esquecidos pela MODERNIDADE

Livro revela como a arte de Cabral, Rosa e Vinicius jogou luz sobre setores ignorados pelo projeto de JK

Itamar Rigueira Jr.

 
Manuscrito
João Cabral, Rosa
e Vinicius: diplomatas-escritores

O início do governo JK (1956-1961) ficou marcado também pelo aparecimento de obras como Morte e vida severina, Grande sertão: veredas, Corpo de baile e Orfeu da Conceição. Os diplomatas-escritores João Cabral de Melo Neto, João Guimarães Rosa e Vinicius de Moraes, além de redimensionarem a linguagem artístico-literária brasileira, retratavam, em suas obras, lugares e pessoas esquecidos pelo projeto de modernização nacional.

A relação das obras de Cabral, Rosa e Vinicius com as “modernidades tardias” é o tema de tese de Roniere Menezes, adaptada para livro que acaba de ser impresso pela Editora UFMG. O traço, a letra e a bossa – Literatura e diplomacia em Cabral, Rosa e Vinicius mostra que os escritores “não são contra o projeto de JK, mas contra o modo como o processo exclui da vida cidadã pessoas que vivem, por exemplo, na periferia das grandes cidades, no sertão mineiro e no agreste nordestino”.

Se tiveram em comum as atividades profissionais e artísticas, os autores diferem no estilo. Como lembra o autor, Cabral e Vinicius tinham propostas poéticas diferentes. O primeiro tem seus versos marcados pela precisão e frieza; o segundo aproxima-se do gênero lírico. “É como se João Cabral deixasse a emoção para o leitor, enquanto Vinicius não desprezava o sentimento do poeta. E Guimarães Rosa transitava entre as duas vertentes, mais próximo de Cabral, no trabalho com a linguagem literária”, comenta Roniere.

O autor ressalta que seu trabalho faz literatura comparada partindo das diferenças, um caminho para descobrir pontos de encontro. “O lirismo de Vinicius não impediu que ele tratasse dos retirantes – tema recorrente em João Cabral –, como no script inacabado Ópera do Nordeste e na peça As feras: chacina em Barros Filho. Cabral, por sua vez, tem momentos de resgate da memória infantil e chega, em alguns poemas, a questionar o mecanismo lógico-racional tão presente em sua obra. E Rosa, ao exaltar a beleza da natureza e a sabedoria popular, faz também um retrato da vida dura do sertão. Os modos cotidianos e pouco convencionais de as personagens enfrentarem adversidades refletem-se nas obras estudadas”, detalha Menezes.

Conceitos resgatados

Muitas horas passadas em meio a arquivos como os do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), da USP, e da Fundação Casa de Rui Barbosa e do Itamaraty, ambos no Rio, foram fundamentais para que Roniere Menezes explorasse textos desconhecidos. Eneida Maria de Souza, orientadora da pesquisa, menciona em apresentação do livro a “tentativa não só de revelar traços marginais de sua escrita, como de recuperar a imagem do homem comum e do conceito de popular, fatores até então excluídos no estudo de suas obras”.

Roniere também lança mão da chamada crítica biográfica. No caso de Cabral, Rosa e Vinicius, a experiência como diplomatas, profissão em comum, tornou-se foco natural da pesquisa. “João Cabral viveu em diversos países, principalmente na Espanha, Vinicius teve forte contato com os negros e o jazz em sua temporada nos Estados Unidos e Guimarães Rosa testemunhou intensamente a Segunda Guerra em sua missão na Alemanha”, lembra o pesquisador.

De acordo com ele, é importante considerar a relação da literatura com a alteridade, e os diplomatas estabelecem contato com sujeitos de diferentes lugares. “Conhecer em profundidade as experiências de vida enriquece a percepção sobre o autor e o conhecimento de sua obra, reconhecendo a potência literária de algumas passagens”, continua Roniere Menezes, professor do Cefet-MG.

O autor revela ainda descobertas interessantes, como um ofício em que João Cabral defendia melhores condições de trabalho para os funcionários do Consulado em Londres e uma “missão” de Vinicius de Moraes – acompanhar o escritor americano Waldo Frank por favelas cariocas e por estados do Norte e do Nordeste do Brasil – cumprida como prestação de serviços cerca de um ano antes de iniciar oficialmente seu trabalho no Itamaraty.

Livro: O traço, a letra e a bossa – Literatura e diplomacia em Cabral, Rosa e Vinícius
De Roniere Menezes
Editora UFMG
320 páginas / R$ 53