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Nº 1726 - Ano 37
14.02.2011

opiniao

Por trás da MÁSCARA

Marcos Fabrício Lopes da Silva*

“Mãe, cadê minha máscara/Eu sei que é preciso uma máscara/O mundo inteiro usa máscara/Embora seja de forma estranha/Ela abriga e conduz/Todo nosso viver/Basta apenas estar triste ou alegre/Que a máscara em nós se reflete/Num carnaval abstrato/Mostrando que o homem/Se esconde em seu atos/Porque ele e o medo/Andam de braços dados/Trocando beijos e abraços”. Esta canção, intitulada Máscara, que compõe o álbum Garimpo, é de autoria do compositor e poeta mineiro Régis D’Almeida. Encontra-se na música em questão uma leitura instigante sobre as dificuldades enfrentadas pela humanidade em administrar a autoestima e a vaidade, que compõem o dueto basilar responsável por nossa identidade.

Considerando a família como o primeiro grupo de convivência social, aprendemos desde pequenos a ficar atentos à percepção externa dos nossos comportamentos. O reconhecimento positivo dos outros confere uma espécie de atestado de aceitação às atitudes adotadas individualmente, trazendo, assim, uma sensação agradável de pertencimento e validação. Desse modo, somos treinados a investir uma série de esforços para fundamentar a nossa vaidade, que representa um investimento maior no belo do que na graça. A composição desse “capital erótico” vem da coleção de adesões à nossa performance pessoal. Colocar o outro como supremo árbitro da nossa personalidade traz como prejuízo individual o disfarce das fragilidades, por conta do medo da rejeição e do fascínio pelo sucesso. Por conta dessa prática, a exibição amplificada das qualidades tem levado muitos a se preocuparem excessivamente com o julgamento alheio.

Admitir as limitações é considerado, erroneamente, uma forma fatal de “entregar os pontos”, fazendo com que o sujeito seja considerado um “perdedor” pelos demais. Criticando a ditadura da eficiência total, Fernando Pessoa, em Poema em linha reta, já denunciava: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada./Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo./[...] Quem me dera ouvir de alguém a voz humana/Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;/Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!/Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam./Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?/Ó príncipes, meus irmãos,/Arre, estou farto de semideuses!/Onde é que há gente no mundo?”.

Infelizmente, a estética (beleza) tem falado mais alto do que a ética (virtude). Isso acontece porque a imagem passou a ser o cartão de visita para um conteúdo pessoal cada vez mais condicionado e determinado a cumprir modelos comportamentais consagrados pela etiqueta social. Nesse sentido, a conveniência rege os princípios da convivência, ou seja, a sinceridade – a prática do “cara a cara” como vetor da verdade – é policiada pela dissimulação orquestrada pelo “baile de máscaras”, em que o ato de fingir triunfa sobre a dinâmica do ser. A vaidade está para a aparência assim como a autoestima está para a essência. A crise de identidade se instala quando não queremos, por razões conscientes e inconscientes, que a máscara se desgrude do rosto. O papel social, cumprido de maneira desmedida, nos leva a cometer “papelões” individuais.

A anulação inviabiliza o amor próprio e consequentemente o amor ao próximo. O homem de ação se desfigura em um homem de omissão. Conforme salientou o músico Regis D’Almeida, escondendo-se em seus atos, o indivíduo faz uso da máscara para expor uma coragem artificial, já que o medo de se conhecer e de se sensibilizar é avassalador. Prefere-se, assim, cantar o medo que esteriliza os abraços a cantar o amor, que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos, segundo a avaliação poética perspicaz de Carlos Drummond de Andrade, expressa em Congresso Internacional do Medo.

A percepção autêntica da alteridade encontra-se bloqueada por conta de uma fobia social que hipocritamente vem sendo acobertada pelo princípio da “tolerância”. Explico: essa palavra produz um “sequestro semântico”, pois quando alguém a usa está querendo dizer apenas que “suporta” o outro. Ou seja, baseia-se na indiferença, na falta de envolvimento de ambas as partes. Significa dizer: “Eu suporto você, aguento. Você não é como eu, aceito isso, mas continuo sendo eu mesmo. Não quero ter contato, só respeito a sua individualidade”. Em vez de utilizar a palavra “tolerância”, prefiro outra: “acolhimento”. Há uma diferença entre “tolerar” quem não tem as mesmas convicções que eu e “acolher” suas convicções. Porque acolher significa que eu o recebo na qualidade de alguém como eu. Atualmente está disseminada a noção de que é preciso haver políticas de tolerância, quando, no meu entender, deveria se trabalhar de fato com políticas de acolhimento, em que o “outro” tem o mesmo status que “eu”. Do ponto de vista ético, a noção de acolhimento supõe que o outro não seja visto como forasteiro, estrangeiro ou alheio.

Considerando o estranhamento coletivo em vigor, resultado de um estado de alerta paranoico, vivemos em regime de agrupamento, enfraquecendo, assim, o sentimento de comunidade. Na concepção do filósofo Mario Sergio Cortella, em Nos labirintos da moral, “uma comunidade são pessoas juntas com objetivos partilhados, mecanismos de autopreservação e estruturas de proteção recíproca”. A questão central da ética é justamente a formação de comunidades, e não de agrupamentos. É claro que o conflito é inerente à convivência, mas o que não pode existir, que é típico do agrupamento, é o confronto. Afinal de contas, o conflito representa divergência de postura, mas visando à continuidade da relação. O confronto é a busca da anulação do outro. Praticar a alteridade, portanto, é saber ultrapassar o muro do temor (o medo) para construir pontes de respeito mútuo (o amor).

* Jornalista formado pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Doutorando e mestre em Estudos Literários/Literatura Brasileira pela Faculdade de Letras da UFMG.

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